Sucesso de consórcios agropecuários depende da adaptação ao ambiente no qual estão inseridos, da otimização do uso dos recursos disponíveis e da gestão eficiente
Anna Elisa P. Gatelli, Daniele Zago, Luiz Antônio Queiroz Filho, Júlio O. J. Barcellos
Os sistemas integrados de produção agropecuária (SIPA) ou de integração lavoura-pecuária (ILP) têm sido utilizados para melhorar a renda dos produtores e reduzir a vulnerabilidade da produção, enquanto intensificam de forma sustentável, explorando a sinergia entre as atividades desenvolvidas. Esses sistemas não devem ser confundidos com atividades simultâneas dentro das propriedades, pois isso, muitas vezes, é diversificação.
Sistemas integrados utilizam o princípio da complementariedade das atividades ou compartilhamento de recursos, em que o todo é maior que a soma das partes. Com base na rotação e na sucessão de culturas agrícolas, eles têm, na presença de animais herbívoros, sua principal locomotiva. São eles que desempenham um papel fundamental na ciclagem de nutrientes do solo e no rompimento do ciclo de pragas, doenças e plantas daninhas, além de atuarem na diversificação da atividade econômica, entre outros aspectos positivos.
Em 2020, as áreas que adotaram algum tipo de sistema de integração entre lavoura, pecuária e/ou floresta chegou a 14,46 milhões de hectares no Brasil, representando 19,17% da área destinada à agricultura e 4,12% da destinada à pecuária. Esse sistema cresceu quase dez vezes nos últimos 15 anos e há perspectiva de continuar se expandindo por proporcionar diversas vantagens.
Por ser um sistema diversificado e intensivo, é comum se observar erros gerenciais e técnicos, que incorrem em riscos. A implantação de um SIPA deve começar a partir de um completo diagnóstico da propriedade. É preciso, primeiramente, avaliar os potenciais das áreas a serem utilizadas, a fim de criar um plano de utilização de curto, médio e longo prazos. Também se faz necessário conhecer possíveis limitações de drenagem, correções da fertilidade dos solos, escolher de espécies e variedades de capim a serem utilizadas e as categorias animais a serem manejadas. A partir daí, será possível criar estratégias adequadas ao ambiente de produção com decisões que irão impactar diretamente no resultado do sistema.
O diagnóstico auxilia no controle dos riscos das atividades a serem desenvolvidas, cuja quantidade determinará o grau de complexidade do sistema. Quanto mais fatores interagirem simultaneamente, mais complexo será o processo gerencial e técnico. Os sistemas de ciclo completo de bovinos de corte, por exemplo, envolvem mais etapas de produção e maior diversidade de categorias que sistemas de cria, recria e terminação, exigindo planejamento ajustado e tomada de decisões mais complexas. É preciso ter em mente que, em algumas épocas do ano, poderá ocorrer uma diminuição da área disponível para a pecuária, podendo haver compensação pelo aumento da produção de forragem – com o uso intensivo de insumos, que vem acompanhado de riscos inerentes-; ou pela venda de animais e o ajuste de lotação, que deverá estar conectada com a situação conjuntural de mercado.
O fator animal
Os SIPAS proporcionam à produção de bovinos um acesso às pastagens cultivadas de alta qualidade durante o inverno. No Sul do Brasil, é comum utilizar as pastagens de azevém e de aveia em sistemas de produção agrícola como plantas de cobertura para o plantio direto na palha. Com os SIPAS, essas áreas passam a ser utilizadas pelos animais, refletindo em aumento da produtividade da pecuária pelo aumento da taxa de lotação e do ganho de peso dos animais. Nesse sentido, bovinos extraem poucos nutrientes do sistema, o que permite que sejam realizadas adubações mais intensivas nessa fase, deixando para os cultivos agrícolas grande parte dos nutrientes aplicados. Além disso, no período de inverno, ocorre a diminuição da produção de biomassa dos campos naturais, enquanto, no período de primavera-verão, quando são cultivadas as lavouras, a produção dos campos naturais aumenta, gerando capacidade de suporte para os animais, com reflexos positivos na produtividade da pecuária. Características como essas, juntamente com os benefícios da ciclagem de nutrientes e da otimização espacial e temporal das áreas, são a causa da maior eficiência dos sistemas integrados.
Manejar a oferta de forragem é um ponto primordial nos SIPAS. Em estudos com gramíneas sob pastejo moderado, com consumo em torno de 40% da parte aérea das plantas, apresentam taxas satisfatórias de disponibilidade de N, comparado à situação de pastejos mais intensos, quando os animais consomem em torno de 70% da parte aérea das plantas. Esse controle proporciona também palhada no final do ciclo da forragem para o plantio direto da cultura agrícola e maior disponibilidade de minerais para as plantas, permitindo a redução no uso de fertilizantes ao longo do tempo e na participação dos custos da atividade pecuária na margem do sistema.
No entanto, podem ocorrer eventuais dificuldades operacionais na atividade pecuária. De modo geral, os prejuízos são mais importantes quando os erros comprometem fatores de produção comuns a todas as atividades. A falta de habilidade no manejo do pasto, por exemplo, compromete a qualidade do solo no médio e longo prazos, que é a base de todo o sistema de produção. No curto prazo, reduz a produtividade dos animais e, consequentemente, a rentabilidade da atividade.
Diversificação e risco
A agropecuária é uma atividade de risco em razão do contexto dinâmico em que atua, pois é totalmente dependente das variações econômicas, dos preços dos insumos e da venda dos produtos, além das incertezas climáticas. Essas, por sua vez, fogem completamente do controle dos produtores; no entanto, as práticas de manejo adotadas nos SIPAS costumam mitigar ou retardar seus efeitos. Esses sistemas também podem reduzir os riscos econômicos através da diversificação de atividades produtivas, e tornar os sistemas menos sensíveis às flutuações dos preços de venda e de insumo.
Em estudo recente, o NESPro/UFRGS avaliou os riscos e o retorno econômico de SIPAS de lavoura de soja e produção de bovinos de corte em sistema de ciclo completo no Sudoeste do Rio Grande do Sul, no Bioma Pampa. Embora a cultura da oleaginosa seja de alto risco para a região, avança em passos largos. Foram considerados como condições de risco, dentro do zoneamento climático, fatores como o tipo de solo, o ciclo da cultivar e o período de semeadura. Dentro desses fatores, observou-se que 53% das áreas da região compreendem uma faixa de alto risco para a cultura da soja. Três cenários foram simulados: 1) produção de bovinos de corte tradicional; 2) integração soja e bovinos de corte, com a área de soja sendo arrendada para terceiro; e 3) integração de soja e bovinos de corte, com produção de soja própria. Entre os cenários, o que apresentou maior retorno econômico foi o sistema integrado com arrendamento, e menor risco do que sistemas com lavoura própria. Esse cenário permite que produtores de bovinos de corte aumentem sua renda pela diminuição da idade de abate (dois anos) e de primeiro acasalamento (dois anos), sem que corram os riscos de investir no cultivo de soja, no qual normalmente possuem pouca experiência e conhecimento técnico, além de fatores climáticos que afetam de forma mais intensa as lavouras nessa região.
Os SIPAS ainda podem atenuar a flutuação do fluxo de caixa anual ou entre os anos. Ainda, como forma de proteção contra riscos de flutuações do mercado e fluxo de caixa, existe os contratos de venda, que garantem preços e mercados para as commodities em troca de um procedimento de produção prescrito pela parte compradora. O produtor perde parte de sua autonomia produtiva em troca de garantias de compra a valores préacordados, tanto para grãos como para gado gordo.
O maquinário e a infraestrutura, quando usados apenas em uma atividade, representam elevado custo fixo. Quando há integração, os custos fixos são diluídos, permitindo maior lucro e diminuindo os riscos do investimento. O mesmo ocorre com a mão de obra, recurso melhor utilizado na integração lavoura-pecuária (ILP), já que a produção de bovinos de corte a exige de forma mais intensiva que a agricultura.
A integração da agricultura com a pecuária não é um objetivo em si, mas um meio pelo qual outros objetivos são alcançados. Nos SIPAS, como em qualquer sistema de produção, o lucro é resultado da adaptação do sistema ao ambiente que ele está inserido e da otimização do uso dos recursos disponíveis associados à gestão eficiente. Investigar os Sipas sobre a ótica sistêmica dinâmica, em vez da avaliação de uma atividade isolada, é a chave para a obtenção de um satisfatório desempenho nos sistemas integrados frente aos sistemas especializados.