Na edição de outubro, escrevi a parte 1 deste artigo, apresentando um resumo dos resultados de diagnósticos realizados entre 2002 e 2020em mais de 400 propriedades de pecuária de corte, baseados nos inventários de recursos (leia as edições de agosto e setembro de 2021). Continuando, na parte 2:
Se, por um lado, a pecuária de corte baseada em sistemas de pasto tem incorporado muitos avanços técnicos, por outro, os resultados de como o dinheiro é e está empregado na atividade não são tão animadores. Dos diagnósticos realizados naquelas mais de 400 propriedades de pecuária de corte, durante 17 anos, em apenas algumas dezenas delas foi possível inventariar dados do controle dos investimentos, dos custos e dos resultados econômicos. Mas, a partir desses poucos dados, conclui-se que:
a) Entre 81% e 89,4% do capital investido estava imobilizado no ativo terra, o que resulta em um custo de
oportunidade que chegou a até 16,3% do custo de produção;
b) Por menor que fosse a propriedade, havia muito capital imobilizado em benfeitorias e edificações: corredores, estradas, piquetes (cercas, bebedouros, cochos, pastagens), curral, casas, galpões … Essas chegaram a aumentar o valor da terra nua em até 53% e representaram até 34,6% do capital imobilizado. Esses ativos fazem parte da propriedade em si, são comercializados junto com a terra e classificados como permanentes e de baixa liquidez;
c) O capital em máquinas, implementos e veículos representou R$ 114 por hectare de área útil. Esses ativos são classificados como médios e de média liquidez. Tanto esses quanto os ativos permanentes são depreciados (com exceção do ativo, terra) ao longo de sua vida útil e precisam ter uma taxa de remuneração de capital apropriada para o cálculo dos custos fixos, que representaram entre 12% e 71% do custo operacional;
d) Em muitas empresas, as despesas administrativas podem ser representativas: escritório, imobiliário de escritório, funcionários, viagens, promoção da atividade, energia, internet, assinaturas de jornais, revistas, treinamentos; pagamentos para associações, sindicatos, pagamentos de impostos e taxas…E representaram de 7% a 13% do custo operacional;
e) Por menor que seja a propriedade, se não for administrada pelo proprietário deverá ser por alguém contratado, pessoa que irá gerar um custo de mão de obra permanente, o qual representou em média 17,3%. Por outro lado, foi diagnosticado que o número de animais do rebanho e seus custos variáveis eram relativamente pequenos, refletindo as baixas taxas de lotação das fazendas. Em propriedades de cria, o capital imobilizado no rebanho representou de 8,1% a 14,5% do total imobilizado na atividade. Já em fazendas de recria: engorda, os valores variaram entre 9,2% a 16,3%.
Animais e dinheiro para o custeio são, por sua vez, ativos circulantes e de alta liquidez. Com baixas taxas de lotação, o custeio (mão de obra variável, reprodução, manejo de pastagens, suplementação, sanidade etc.) com os animais também era relativamente muito baixo. Em fazendas de cria, o número oscilou, em média, entre de 2,75% a 4,8% do capital imobilizado, e, em fazendas de recria: engorda, entre 1,65% e 3%.
A análise das relações, ativos circulantes: ativos médios e permanentes possibilita a avaliação da “saúde” da empresa em termos financeiros. Nesse sentido, o que é mais frequente na quase totalidade dos diagnósticos feitos nos últimos 17 anos é a conclusão de que a “saúde” da maioria das empresas de pecuária de corte vai mal porque a maior proporção do capital está imobilizada em ativos de baixa liquidez e que não impactam a produção e a produtividade diretamente. O retorno sobre o capital investido na atividade de cria, incluindo o ativo terra, variou, em média, entre 1,54% e 2,76%, intervalo que ficou entre 1,65% e 3% em fazendas de recria: engorda.
Os números são pouco atrativos em um país onde a taxa básica de juros (taxa Selic), em dezembro de 2018, foi de 6,5% e de 6% em agosto de 2019. Com uma inflação 3,7% (IPCA) em 2018, o Brasil continua tendo uma das maiores taxas reais de juros do mundo. Neste contexto, investir em pecuária de corte parece não fazer sentido ou ser uma decisão irracional, exceto pela valorização da terra. Afinal, quanto mais valer e quanto menos produzir, mais baixo será o retorno sobre o capital imobilizado, já que o ativo terra terá sua proporção aumentada na composição do valor investido.
Mesmo se o produtor decidisse manter o ativo terra como estratégia de ganhos patrimoniais, ainda poderia estar comparando os retornos do seu negócio de pecuária de corte com alternativas para seu uso, tais como produção de cana-de-açúcar, reflorestamentos, produção de látex, de grãos.
Agora, sim, após um inventário bem feito e após a realização de um diagnóstico, tem-se um ponto de partida para o início da realização de mudanças.
Mas por onde começar o processo em uma fazenda de pecuária de corte cujo diagnóstico se enquadra na realidade média daquelas quase 400 fazendas? Aguarde as próximas edições!