Adilson de Paula Almeida Aguiar – Zootecnista, professor em cursos de pós-graduação na REHAGRO, na Faculdade de Gestão e Inovação (FGI) e nas Faculdades Associadas de Uberaba (FAZU); Consultor Associado da CONSUPEC – Consultoria e Planejamento Pecuário Ltda.
O processo de degradação da pastagem pode ser revertido através da adoção de práticas preventivas, culturais e de recuperação. O ditado popular “prevenir é melhor que remediar” aplica-se nesse contexto, ou seja, as práticas preventivas seriam as de maior impacto positivo e, dentre muitas delas, a escolha da espécie forrageira é o primeiro passo. Antes de relacionar e de abordar os critérios para tal escolha seria interessante resumir como se tem escolhido espécies forrageiras ao longo dos últimos quase dois séculos desde a introdução das primeiras forrageiras introduzidas no Brasil provenientes do continente Africano.
Os pecuaristas têm buscado uma forrageira com as seguintes características: que produza grandes quantidades de sementes de alto valor de germinação e que possam ser semeadas sobre cinzas, tocos e troncos, em terrenos não preparados ou com preparo mínimo, usando apenas uma gradagem e, mesmo assim, possam se estabelecer rapidamente e com vigor; que produza grande quantidade de massa de forragem por hectare para suportar altas taxas de lotação; que produza forragem de alto valor nutritivo, garantindo alto desempenho por animal; que seja de alta aceitação por todas as espécies de animais herbívoros e que não cause intoxicações nos mesmos; que tolere a seca, a geada, o fogo; que tolere solos mal drenados e de baixa fertilidade; que seja resistente às pragas e às doenças e que seja agressiva para competir com as plantas invasoras.
Na busca incessante por uma planta com aquelas características, muitas forrageiras já foram eleitas como “o capim da moda”. Esteve no auge o capim-jaraguá que, entre 1945 e 1947, engordava mais de 90% de todo o gado abatido nos frigoríficos do Estado de São Paulo enquanto, em 1979, apenas 6% dos animais abatidos eram provenientes de pastagens daquela forrageira.
Depois fora sucedido pelo capim-colonião que, no final da década de 70, cobria 32% das áreas de pastagens no Estado de São Paulo. Em 1978, essa espécie era a mais cultivada no sudeste, no extremo sul da Bahia e nos agrestes de Sergipe. Na década de oitenta, foi documentado como sendo a espécie forrageira mais importante no Espírito Santo e no sul de Goiás. Em um levantamento feito no Pará, no final da década de setenta, em cinco municípios, o capim-colonião ocupava mais de 46% da área de pastagem.
A partir da década de 60, esse capim foi sendo substituído pelo capim-pangola, principalmente no Estado de São Paulo; seguido pelo apogeu da Braquiária decumbens, nas décadas de 70 e 80 e a partir da década de 80 até os dias de hoje, o capim-braquiarão tem sido o predileto, ocupando atualmente cerca de 50% da área de pastagem cultivada. Só para se ter uma ideia, no início da década de noventa, o gênero Brachiaria já ocupava 50% da área de pastagens no estado de São Paulo.
Aquelas forrageiras, naquelas respectivas épocas, ganharam a atenção de produtores e técnicos, entretanto o período de apogeu de cada uma durou não mais que duas décadas, e nova forrageira foi sendo eleita como o “capim da moda”. Este histórico foi denominado pelos pesquisadores da área de Forragicultura como sendo “a busca pelo capim milagroso”.
Os trabalhos de pesquisa e os fatos demonstram que esta planta não existe e que o sucesso no estabelecimento, condução e persistência de uma pastagem depende basicamente da mudança de atitude por parte dos produtores e técnicos, assumindo que cada espécie forrageira tem suas potencialidades e suas limitações e que a pastagem é também uma cultura com suas exigências específicas quanto aos fatores de crescimento.
Apesar de disponíveis quase uma centena de gramíneas e mais de duas dezenas de leguminosas já introduzidas no Brasil como opções para o plantio de uma pastagem, atualmente em torno de uma dezena de plantas forrageiras ocupam áreas expressivas nas pastagens brasileiras. Do total de pastagens cultivadas nos Cerrados, 85% são ocupadas por forrageiras de um único gênero, o Brachiariasp, constituindo uma monocultura. Somente duas espécies desse gênero ocupam 75% da área de pastagens cultivadas nos Cerrados: a espécie Brachiaria brizantha e seus cultivares, principalmente o marandu ou capim-braquiarão (50% da área) e a Brachiairiadecumbens (25% da área).
Só de constituir uma monocultura de um único gênero já seria desafiador pelos riscos que qualquer monocultura traz, mas, aqui, o risco é ainda maior porque aquelas duas espécies que ocupam 75% da área de pastagens dos Cerrados são, na maioria, de reprodução assexuada ou apomítica, o que leva à baixa variabilidade genética, sendo verdadeiros “clones”. Assim, qualquer estresse, seja este biótico (pragas ou doenças) ou abiótico (extremos hídricos e de temperatura), coloca em risco a produção e a persistência da planta em uma dada região.
É só refletir sobre os ataques que a B. decumbens vem sofrendo pela cigarrinha-da-pastagem desde a sua introdução, no Brasil, como também a “síndrome da morte do capim-braquiarão”, provocada, principalmente, pela baixa tolerância dessa forrageira a solos mal drenados e aos ataques da cigarrinha-da-cana, ambos os problemas de ocorrência mais evidente na região Norte. A falta de diversidade nas pastagens brasileiras pode ser considerada como uma das causas da degradação nelas ocorrida.
Apesar das evidências desse histórico, a procura pelo “capim milagroso” ainda continua no meio pecuário, pois, a cada lançamento de um novo cultivar de planta forrageira, os pecuaristas alimentam expectativas de alcançarem sucesso fácil apenas com a substituição das espécies forrageiras que ele já explora em sua propriedade por uma nova opção, mesmo tendo que pagar mais caro pelas sementes que, logo após o lançamento, sempre são mais caras ou dispensando tempo e dinheiro em viagens para coletar mudas de uma nova forrageira “milagrosa”.
Por isso, é de extrema importância o esclarecimento de produtores e técnicos sobre os critérios para a escolha de uma espécie forrageira, critérios esses baseados cientificamente e validados sob a ótica técnica em campo
Antes da avaliação dos critérios para a escolha da planta forrageira, o técnico que assiste o produtor deve estudar o ambiente, compreendendo o clima, o solo, os insetos, as pragas e as doenças de ocorrência na propriedade e região. Com essas informações e dados, o técnico busca, nas fontes de informação (anais de congressos e simpósios, teses e dissertações de pós-graduação, DVDs, internet, aplicativos, consulta a pesquisadores e outros técnicos…), as características das diferentes espécies forrageiras. Agora, vamos aos critérios para a escolha da planta forrageira.
1 – Exigências climáticas: descartar das opções todas aquelas forrageiras que exigem um índice pluviométrico acima do índice da região e que não tolerem geadas, caso sejam comuns na região em questão. O técnico tem como fonte de informação a publicação do Departamento Nacional de Meteorologia (DNMET) que apresenta valores das normas climatológicas referentes ao período de 1961 a 1990 de 209 estações meteorológicas (atualmente são 394 estações) com médias históricas para 9 parâmetros (atualmente são 29 parâmetros).
2 – Exigências em solo: descartam-se, primeiramente, aquelas forrageiras que não se adaptam às características do solo que o homem não consegue alterar, tais como relevo e profundidade. Depois aquelas que não se adaptam a solos mal drenados e, por último, aquelas que são exigentes e muito exigentes em fertilidade de solo, em ambientes onde o solo é naturalmente de fertilidade muito baixa e baixa e por alguma razão não for viável a sua correção e adubação.
O técnico tem como fonte de informação o mapa de solos da EMBRAPA que traz 42 classes de solos e suas associações. Identificada a classe que predomina na região onde se encontra a propriedade, basta ao técnico recorrer aos livros de solos e estudar as características daquela classe em questão. Depois amostrar o solo na área em questão para a análise laboratorial.
3 – Comportamento frente a insetos, pragas e doenças: descartar aquelas forrageiras que sejam suscetíveis a pragas e doenças que aparecem no ambiente em questão. Escolher aquelas pelo menos moderadamente suscetíveis, dando preferência a elas e àquelas resistentes. Particular atenção deve ser dada à praga cigarrinha-da-pastagem e à cigarrinha-da-cana devido ao grau de dano econômico que elas causam.
4 – Aceitabilidade pelos animais: descartar aquelas forrageiras que não são bem aceitas pela espécie animal que se pretende explorar, tais como a B. decumbens e o capim-braquiarão para o plantio de pastagens para equinos. Para ruminantes, não há diferenças significativas em aceitabilidade para diferentes espécies forrageiras, desde que estas estejam separadas em piquetes separados, ou seja, o animal só vai exercer a preferência por uma determinada espécie se, no piquete, houver misturas de forrageiras, pois, do contrário, ele consumirá forragem e apresentará desempenho de forma semelhante. Em tempo, o termo palatabilidade não se aplica aqui porque o pesquisador não tem como medir esse parâmetro de forma quantitativa, enquanto a aceitabilidade pode ser medida e comparada através de protocolo de pesquisa já padronizado.
5 – Distúrbios metabólicos causados aos animais: descartar aquelas forrageiras que causam distúrbios em uma determinada espécie animal ou em uma categoria dentro da espécie. Como exemplo, as distrofias ósseas em equinos causadas por excesso de oxalato em algumas forrageiras, a fotossensibilização em bezerros, comum em pastagens de B. decumbens, a intoxicação por nitrato em pastagem de capim-tanner Grass (Braquiária-do-brejo).
6 – Formas de plantio: toda forrageira pode ser implantada através de mudas, mas nem todas podem ser implantadas através de sementes. Esta segunda forma de plantio praticamente não tem restrições, possibilitando o plantio em pequenas e em grandes áreas pelos métodos: manual, por tração animal, tratorizado ou aéreo. O investimento para o plantio da pastagem pode ser duas a três vezes mais baixo quando o plantio é feito através de sementes comparado com o plantio por mudas, quase sempre feito manualmente.
7 – Formas de uso: há que definir as finalidades de exploração da área em questão, ou seja, será exclusivamente para pastejo ou apenas para fenação ou ensilagem ou pré-secagem ou até formas desses usos combinadas em uma mesma área. Uma vez definida a forma de uso, o técnico que assiste o produtor irá definir o manejo da área: em caso de exploração sob pastejo, definirá o método de pastoreio, as alturas alvos de manejo do pastejo, a frequência de pastejo; no caso de áreas para corte, definirá a altura e a frequência de cortes, etc.
8 – Potencial de produção de forragem: é preciso ser definido pelo produtor com a orientação de um técnico para, então, se definir qual nível tecnológico da exploração deverá ser aplicado na área em questão: sem correção e sem adubação do solo ou só com correção do solo; ou com correção e adubação sem ou com irrigação.
Há que se destacar aqui que haverá diferenças na produção de forragem apenas em ambientes em não equilíbrio, ou seja, com restrições climáticas ou de solos e sob o ataque de pragas e presença de doenças. Por outro lado, em sistemas em equilíbrio, sem aqueles tipos de restrições e com manejo do pastejo orientado pelas alturas alvos de cada espécie forrageira, não haverá diferenças significativas no potencial de produção de forragem entre diferentes plantas forrageiras.
9 – Qualidade de forragem: é comum os produtores de leite e muitos técnicos perguntarem qual ou quais forrageiras são mais recomendadas para sistemas de produção de leite ou de carne, ou seja, eles querem saber qual (ou quais) forrageira (s) é / são de melhor qualidade.
Por que, então, não se incluiu nesta lista de critérios para a escolha da espécie forrageira o parâmetro “valor nutritivo”? É porque, em ambientes em equilíbrio, não há diferenças significativas para os parâmetros, valor nutritivo da forragem (composição química e digestibilidade), valor alimentício da forragem (valor nutritivo e consumo de forragem) e qualidade de forragem avaliada pelo desempenho do animal.
Em outras palavras, em pastagens bem manejadas, animais de mesma categoria (sexo, idade, peso, grau de sangue…) pastejando em piquetes separados com diferentes espécies forrageiras não apresentarão diferenças significativas em seus desempenhos.
Observa-se, nesse resumo, que os critérios são muitos, que a análise de cada um não é tão simples assim. Logo, exigem-se conhecimentos profundos de fatores dinâmicos e complexos, tais como clima, solo, insetos, pragas, o manejo, entre muitos outros, ensejando a necessidade do produtor ser orientado por um especialista.
VEJA MAIS NOTÍCIAS AQUI!
E FAÇA PARTE DO NOSSO SITE EXCLUSIVOS PARA ASSINANTES – CLIQUE AQUI