Coluna Palavra de Produtor, escrita pelo engenheiro-agrônomo, produtor de soja, milho e gado em Nova Maringá/MT, especialista em administração de empresas, autor do livro Reflexões de um Alemão Cuiabano, Rui Alberto Wolfart.
As transformações que o Brasil e o mundo passaram nesses últimos anos são de tal monta que a compreensão mediana das pessoas não tem captado as causas do que aconteceu realmente. A unipolaridade derivada da ruptura da União Soviética e a crescente presença da China levaram a que os Estados Unidos procurassem estabelecer uma dominância global a qualquer preço.
O estreitamento da base de informações e o nivelamento das notícias intensamente estabeleceram um “olhar” único sobre o que ocorre no mundo. Tal situação, associada à concentração das decisões nas mãos de poucos grupos econômicos globais, afeta bilhões de pessoas, provocando tensões sociais ante a crescente pauperização da população mundial.
Relativização de valores, precarização do trabalho, insegurança nos negócios e perda de perspectivas futuras – tudo isso leva à exacerbação social. Faltam as utopias, que sempre mantiveram a chama da esperança acesa por dias melhores e que levavam as pessoas a abdicar, no presente, o que poderiam receber no futuro para si e para os seus. O que sobra a não ser um futuro sombrio? No cotidiano, com frequência, as pessoas têm suas vidas afetadas por decisões tomadas por algoritmos.
Não interessa à agricultura brasileira globalizada a inconsistência nem a insegurança provocadas por decisões políticas tomadas por este ou aquele governante. O crescente quadro de insegurança jurídica, transferências forçadas de renda e políticas públicas erráticas levam o campo à irritação coletiva, por ver o trabalho de décadas ser, subitamente, comprometido não por incompetência ou por efeitos climáticos, mas pela insensatez de governantes.
Recentemente foi feito o anúncio dos dados do Valor Bruto da Produção (VBP) da agropecuária o qual atingiu a cifra de R$ 1,2 trilhão. Destacam-se Mato Grosso com R$ 212,1 bilhões; Paraná, R$ 140,3 bilhões; São Paulo, R$ 137,5 bilhões; Minas Gerais, R$ 132,9 bilhões; Goiás, R$ 100,6 bilhões e Rio Grande do Sul com R$ 70,4 bilhões. Esses dados da riqueza gerada no campo são o retrato da transformação pela inovação, gestão e produtividade ocorrida nos últimos 40 anos.
Leia também: Outro olhar: México e Estados Unidos
Nesse curto espaço de tempo, o Brasil saiu da condição de importador de alimentos para o de exportador, levando comida para mais de 800 milhões de pessoas pelo mundo afora. Foram anos de determinação hercúlea, com muito suor e lágrimas derramadas, apesar das dores da globalização e da perda de renda na agropecuária, que têm beneficiado as populações urbanas com comida barata. Como é possível o setor primário brasileiro viver ainda hoje os temores, como os que afligiam o mundo no século passado, exemplificado nas ações dos ludistas, movimento popular inglês contra a modernização industrial.
A revolução agrícola feita nos principais estados brasileiros e externada pelo VBP ocorre ao mesmo tempo em que o país se encaminha para a denominada redemocratização, período vivido com sucessivos choques econômicos e políticas regressivas e excludentes que tanto afetaram o mundo rural. A memória de fatos tão recentes – os quais provocaram a expulsão de tantos – talvez gere, de maneira inconsciente, a luta por segurança jurídica e tranquilidade negocial para continuar produzindo nessa crescente ausência de Estado, única entre os maiores produtores mundiais.
As visões políticas equivocadas e rançosas precisam ser substituídas por apoios firmes a quem trabalha e produz alimentos enquanto o país busca a ainda possível reconversão das indústrias, visando restabelecer o equilíbrio intersetorial tão necessário e a diminuição da ora estreita dependência das exportações de commodities.