Coluna A Hora H escrita pelo Engenheiro-agrônomo, produtor, presidente-executivo da Abramilho e ex-ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli.
Uma reforma tributária só faz sentido se pautada pelas duas primeiras (política e administrativa). Os países desenvolvidos descobriram isso há 100 anos. Não se tributa em vão. Nenhuma nação séria, com moeda forte, faz planejamento econômico como se conserta relógio suíço com bigorna e marreta. Definir o quanto o Estado custa é preliminar. O avanço tributarista em cima de quem produz é inaceitável. Ousam imaginar tributar alimentos em meio à crise que vivemos.
Os governantes precisam ser obrigados a comprovar a eficiência no uso do que arrecadam. Juntas, natureza e ciência têm todas as respostas. Preservar a floresta úmida é essencial. Mas, sem considerar a geração de emprego e renda pela bioeconomia tropical, continuarão excluídas da pauta civilizatória de 29 milhões de pessoas só na Amazônia brasileira. Devemos, sim, preservar, regenerar, mas podemos também converter a Amazônia no maior celeiro de produtos naturais do planeta.
O grande desafio é transferir a força revolucionária do saber do ambiente científico para a realidade, para o “chão de fábrica”, lá onde atuam os produtores rurais. Conhecer o potencial das nossas tecnologias é uma obrigação, pois evita que lideranças, principalmente as que nos governam, façam coro com os que nos criticam por desinformação.
Por isso, fizemos o livro “As Tecnologias Sustentáveis que vêm dos Trópicos – Desenvolver sem Desmatar”, organizado pelo Fórum do Futuro, com 64 artigos assinados por uma nata de pesquisadores e gestores que exibem nossa capacidade de enfrentar os principais desafios globais. Com prefácio do Banco Mundial e introdução da FAO, a obra demonstra como a bioeconomia pode levar o Brasil à liderança da oferta global de alimentos.
A humanidade já assistiu a dois grandes saltos na história do aumento da oferta. Estamos preparados para realizar o terceiro, mas isso só será plausível se fizermos parte do projeto brasileiro de sociedade; se ingressarmos no imaginário global pelas soluções que podemos construir.
Há 50 anos, os brasileiros pagavam pela comida mais cara do mundo. O choque de oferta decretado pelo ingresso do Brasil no mercado internacional de alimentos, em 1980, baixou fortemente os preços. A família brasileira média gastava cerca da metade da sua renda só em alimentação. E os preços de índice 100 começaram a desabar. Em 2000, 20 anos depois, tinha caído para o mundo em 50%, mas, para a família média brasileira, para até 30%. Aqui se pagava a alimentação mais barata do mundo.
Agro brasileiro transborda, vai muito além. Quando assumi o Ministério da Agricultura, em 1974, o frango era uma proteína reservada à elite. Consumo per capita nacional: 3,5 quilo/pessoa por ano. O melhoramento genético (ciência, tecnologia e inovação tropicais) foi, então, a base de um dos mais vibrantes processos de democratização alimentar da trajetória humana. Hoje, os brasileiros, em média, comem 45 quilos de carne de frango a cada ano.
Democratizar o uso de saberes e das tecnologias sustentáveis é condição sine qua non. Vamos precisar de uma ferramenta institucional que sistematize o conhecimento existente, que crie mecanismos de efetiva transferência e de capacitação de produtos e atores na ponta e que promova a “pesquisa por missão”. O Sibrater (Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural) é, hoje, uma nova necessidade, seja ela promovida pelo Governo e pela iniciativa privada capaz de motivar esses jovens que entram na produção para que realizem ou se organizem para fazer aquilo que é necessário e que governos populistas rejeitaram.
A ignorância do produtor extrativista (seja ele pequeno, médio ou grande) faz a sua miséria. Isso passa pela melhoria da Educação, com a ajuda da iniciativa privada. Só no Brasil são 4,5 milhões de famílias de excluídos tecnológicos; no mundo tropical, centenas de milhões de pessoas. É esse exército dos sem futuro que engrossa as intermináveis colunas de migrantes forçados a deixar a sua casa, a sua gente.
Um país com essa história, com a capacidade de reescrever o futuro das Nações, não tem o direito ao desalento. Não obstante, acreditar e ser otimista não quer dizer subestimar o cenário inquietante, uma inédita coincidência de crises diversas, complexas e profundas.
O mundo volta à geopolítica bipolar, onde o Brasil é prisioneiro de uma encruzilhada diplomática e comercial. Somos parte do mundo ocidental, do seu ambiente de negócios, praticamos os seus valores. Ao mesmo tempo, dependemos comercialmente do mercado asiático.
Esse quadro desafiante pode ser também uma gigantesca janela de oportunidades para o Agro empreendedor, tecnológico, inteligente, sustentável, organizado, cooperativado, inclusivo, obediente aos termos da Constituição da República e contrário a todas as ilegalidades.
Estas são as balizas da visão de país que precisamos pacificar para instruir a construção de um novo pacto global, com base na governança dos nexos alimento, águas e energia. Estamos prontos para fornecer a contrapartida social e ambiental que o mundo espera, mas precisamos de ajuda. Hoje, ninguém faz mais nada sozinho. O pacto global do alimento é um processo ganha-ganha. Os países ricos precisam parar de focar nas consequências e passar a operar a solução dos problemas, lá onde eles se encontram.
No lugar de muros e barreiras, vamos construir pontes do conhecimento, promover a inclusão tecnológica e social de pequenos e médios produtores. É uma oportunidade histórica para o Brasil, para os povos tropicais, para o mundo. Nossa tarefa é conciliar uma narrativa comum, que seja a expressão da proposta que a sociedade brasileira oferece à comunidade global.
Somar agendas comuns (Estado, ciência, iniciativa privada e sociedade) acende um novo ciclo de expansão econômica no Brasil – depois de 40 anos – e no mundo. Insegurança alimentar é uma grave ameaça à paz. Garantir comida para 200 mil novas bocas que a cada dia se somarão à demanda global, até 2050, e cumprir a agenda da sustentabilidade não é ofício simples.
Vamos precisar de diálogo franco com a sociedade. Comunicar de uma maneira contemporânea é negociar, é compartilhar causas com os eventuais adversários de hoje que queremos converter em parceiros de jornada. É oferecer produção social de sentido, materializar significados perante formadores de opinião.
Os jovens, os agricultores, os cidadãos que trabalham a favor da racionalidade econômica precisam estar unidos para evitar que se jogue fora mais uma oportunidade do Brasil. Essa mobilização é um sinal de que a classe política não pode mais tergiversar. A nossa nação honesta e realista está nascendo agora perante o mundo. Vamos em frente, meus jovens. Esta é a hora.
Parte II do discurso de Alysson Paolinelli ao ser homenageado na Fiesp