* Por Carlos J. P. Gomes – físico, cofundador e CTO da BovExo
Luta da sociedade deveria ser por processos produtivos mais sustentáveis do campo à mesa.

O que as mídias sociais, a política, a Covid e a pecuária têm em comum? Todas são objeto de notícias falsas e opiniões levianas, que acabam induzindo uma grande parte da sociedade a tomar partido, de um lado ou de outro, sem quem as emite e quem as escuta entender exatamente do que se fala e o que está em jogo.
As recentes menções à “segunda sem carne”, promovidas por diferentes instituições, fornecem um perfeito contexto para analisarmos os dois pontos principais: não saber do que se fala e não ponderar sobre o que está em jogo.
Dentre as fontes de emissões globais de gases de efeito estufa (GHG), a produção de proteína animal é a sexta colocada, respondendo por 5.8% (em média, três vezes menos que os processos mais poluentes, todos eles relativos ao uso de energia para transporte, produção industrial, atividades empresariais ou residencial). Porém, quando falamos de produção de proteína animal, estamos falando da produção de alimentos e, portanto, seria incorreto comparar com outros processos.

fig. 1 – Pegada carbônica por setor de atividade econômica
A análise do gráfico acima (fig. 1) mostra que a produção de proteína animal é, em média, dentre todas as atividades de produção de alimentos, a mais poluente. E o gráfico abaixo (fig. 2) mostra que a produção de proteína bovina é a mais poluente, dentre todas.

fig. 2 – Pegada carbônica por quantidade de proteína produzida
Porém, há duas coisas importantes na análise deste outro gráfico (fig. 2). Primeiro, os 10% produtores mais eficientes de carne bovina têm uma pegada carbônica muito baixa, em média de 9 kg CO2eq por 100g de proteína produzida. Segundo, quando fazemos uma análise envolvendo os principais alimentos vegetais na dieta humana (arroz, feijão e soja), temos que (1) o feijão tem a menor pegada carbônica por grama de proteína produzida, seguido (2) pela soja, com uma pegada 3.1 vezes maior que a do feijão, (3) pela carne bovina (daqueles 10% mais eficientes), com uma pegada 30 vezes maior que a do feijão, e, por último, (4) pelo arroz, com uma pegada 42 vezes maior que a do feijão.

Fig. 3 – Pegada carbônica por unidade de proteína dos quatro principais alimentos na mesa
brasileira
Ou seja, a produção de carne bovina pode ser menos poluente que a produção de arroz. E, mais ainda, a Embrapa mostrou, em recente pesquisa (2019 3 ), que, quando consorciada com a produção agrícola e florestal, a pecuária tem uma pegada carbônica negativa, ou seja, ajuda a reduzir a quantidade de gases-estufa na atmosfera.
E aí voltamos ao ponto da polêmica envolvendo a “segunda sem carne”. Seguindo a receita de tais “influencers” e ativistas, deveríamos fazer a segunda-feira sem fábricas, a terça-feira sem escritório, a quarta-feira sem carro, a quinta-feira sem usar energia em casa, a sexta-feira sem arroz, o sábado sem carne…pelo menos, o churrasco de domingo estaria salvo.
Ironias à parte, faz sentido tal posicionamento? Absolutamente, não. Mais ainda, na questão dos alimentos, porque as proteínas são fontes de aminoácidos, sem os quais não vivemos, e poucos alimentos contêm os nove aminoácidos essenciais, dentre os vinte e dois aminoácidos que precisamos para manter uma dieta saudável. Tão pouco faz sentido o visceral grito de produtores pecuários e associações de classe, quando mais de 50% deles têm uma pegada carbônica desastrosa e, mais ainda, quando está provado que, na pecuária, ao contrário da maioria das indústrias, processos mais sustentáveis também são mais rentáveis.
Assim, ao invés de lutarmos pelo “dia-sem-isto-ou-aquilo”, deveríamos lutar, todos os lados, por processos produtivos mais sustentáveis. E o boicote deveria ser substituído por decisões. Da parte do consumidor, ele pode optar por marcas mais sustentáveis, mesmo que tenham um preço maior (não por oportunismo, mas pelo custo incremental de tal processo). Como produtor, o caminho é adotar tecnologias e processos mais sustentáveis. E, como banco, fomentar o desenvolvimento – através do capital emprestado para a transformação de processos – viabilizando a aquisição de tecnologias que promovam a sustentabilidade.
Carlos J. P. Gomes, MBA Administração (Co-fundador & CTO BovExo)