Coluna A Hora H escrita pelo Engenheiro-agrônomo, produtor, presidente-executivo da Abramilho e ex-ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli.
O problema de produzir com qualidade, segurança e rastreabilidade passa a ser fundamental para se obter a confiança dos consumidores e aumentar a nossa capacidade competitiva nos mercados que estamos produzindo e conquistando. Esse assunto sempre esteve ligado ao Governo, onde faltavam fiscais, técnicos, equipamentos suficientes ao atendimento do crescimento da agricultura brasileira; foi, sem dúvidas, o gargalo para que obtivéssemos a confiança dos nossos consumidores.
De agora em diante, fica definido, na lei, que os produtores serão os responsáveis nesta padronização, qualidade e classificação dos produtos que geram. Este é o reverso da medalha. Não podemos agora reclamar de quem quer que seja sobre dificuldades e limitações que impediam a colocação com melhor preço dos produtos que geramos. Somos agora – nós mesmos – os únicos responsáveis em estruturar nosso sistema produtivo, para que ele possa oferecer, em qualquer ponto por onde passam os nossos produtos, a garantia da qualidade indispensável ao consumidor de onde for. Se tivermos de reclamar, será de nós mesmos. Isso significa que deveremos ter uma mudança radical em nossas ações e processos produtivos. Ao Governo, cabe apenas a chancela do que está sendo feito.
Chegou a hora de nós, produtores, assumirmos em nosso sistema produtivo mais esta importante tarefa e, com ela, valorizar e garantir a qualidade do produto que estamos entregando. Seja a consumidores, seja às indústrias de transformação que, diga-se de passagem, na maioria dos casos, são as melhores em manter qualidade e segurança nos alimentos que transformam.
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Gostaria de citar aqui o caso específico da carne bovina. Enquanto esse produto passa pelo produtor, temos de reconhecer que, embora usando as melhores tecnologias de produção, ele nunca se importou não propriamente com a qualidade do seu produto. Mas, principalmente, com a avaliação que muitos organismos com pouco conceito levavam aos consumidores, informações distorcidas do produto aqui produzido. Vamos exemplificar o caso específico da carne produzida na Amazônia brasileira. Muitas ONGs faziam questão, sem conhecimento prévio e adequado, de menosprezar ou, pior, de tentar proibir o uso desse produto sob a alegação de que a carne seria fruto de desmatamentos irregulares.
Essa errônea visão chegou a influenciar a comunidade europeia, que está estudando uma legislação para proibir definitivamente a aceitação dessa carne cuja origem foi erroneamente avaliada pelos denunciantes. A alegação seria de que os animais oriundos de fazendas cujo desmatamento teria sido irresponsável e provocado, assim, a destruição do nosso bioma amazônico. Essa não é uma delação verdadeira em sua plenitude.
A Amazônia brasileira foi definida geopoliticamente como uma área vazia e merecedora de incentivos fiscais. Na realidade, a Amazônia brasileira representa hoje mais de 71% de todo o território nacional e abrange, em toda essa extensão, os mais diversos biomas, além do trópico úmido (bioma amazônico). Ali, há cerrado, cerradão, campinas, lavrado (cerrado de Roraima), serras e montanhas – cada um com biomas diferentes.
Pergunta-se: O que teria o Matopiba, por exemplo, com a floresta amazônica? O Mato Grosso, incluído em sua totalidade na Amazônia brasileira, tem em sua maioria a Chapada dos Parecis e as terras vertentes para o Araguaia Tocantins, que nunca poderiam ser classificadas como floresta amazônica e, sim, como campinas e cerrado. Por acaso estamos nos referindo às áreas onde se localizam mais de 80% do rebanho amazônico. Não seria, portanto, uma injustiça classificar esses animais como destruidores da floresta que antes ali não existia.
O outro fator que espero que seja levado em conta são as fazendas formadas após o desmatamento criminoso de madeireiros e de outros impostores que, sim, deveriam ser penalizados e não o pecuarista que, após anos de desperdício na floresta, ali monta as suas pastagens. Essas pastagens, hoje, apresentam, em sua grande maioria, tecnologias avançadas, criadas pela Embrapa e por nossas universidades como, por exemplo, a integração lavoura-pecuária-floresta, que está recuperando até mesmo as áreas degradadas de campinas e de cerrado que, no início de sua ocupação, nas décadas 1970 e 1980, tinham uma capacidade de suporte até três animais por hectare. Um animal que, com 20 meses, não atingisse 20 arrobas era considerado de péssima qualidade.
Hoje, essas áreas na mão de produtores que não usaram as tecnologias adequadas estão com a capacidade de suporte de, no máximo, um animal por hectare e jamais atingem as 18 arrobas em 20 meses. No entanto, os produtores que estão usando a tecnologia adequada, a ILPF, estão conseguindo recuperar a degradação de suas áreas e conseguindo produzir grãos e pastagens no mesmo ano que chegam a suportar até cinco animais por hectare e até atingem o Boi China praticamente sem uso de confinamento.
Depois de plantar o grão, fazem a segunda safra e, na terceira, é que fazem o pasto com sorgo granífero e com sementes de outros pastos variados que engordam os animais com o acabamento necessário. Com relação às regras ambientais, estão recompondo as Áreas de Proteção Permanentes e até as Reservas Legais numa verdadeira agricultura regenerativa. Assim, poderão requerer os benefícios da captação de carbono ou vender os “ativos ecológicos” que produzirem.
O que se torna mais necessário é que estes nossos novos produtores se organizem em grupos demonstrativos de uso da tecnologia tropical aqui desenvolvida e chamem os seus inimigos de hoje para avaliarem e ver o que somos capazes de fazer para a verdadeira recuperação da Amazônia brasileira. Acredito que chegou a hora do empresário sério poder demonstrar o realmente é capaz de fazer.
Temos de nos referir também a diversos outros produtos da nossa Amazônia, que podem demonstrar a tecnologia tropical ali aplicada e que estão fazendo verdadeiros milagres em termos de regeneração de biomas e de produção mais do que sustentável. Produtores, chegou a nossa hora! Vamos nos organizar e mostrar, de fato, a estes “espiões” quem realmente somos.