As edições d’A Granja Total Agro de junho e julho de 2023 veiculam o último artigo de Alysson Paolinelli, que desde fevereiro de 2011 foi o titular da coluna Na Hora H. O dr. Alysson partiu neste 29 de junho, após décadas de uma dedicação exemplar e única ao agronegócio brasileiro.
E parte desse gigantesco e incansável trabalho foi relatado em cerca de 150 crônicas veiculadas nas edições da revista desde sua estreia como colunista. A acrescentar que, por décadas, o dr. Alysson ainda foi uma fonte importante como entrevistado, desde o jovem secretário de Agricultura de Minas Gerais.
Em sua última coluna, dr. Alysson destaca justamente os 50 anos da Embrapa, empresa pública de pesquisa que ele foi fundamental em ajudar a criar do zero, no início dos anos 1970. Uma instituição que o dr. Alysson sempre teve o maior orgulho de ressaltar suas contribuições no desenvolvimento e consolidação da agricultura tropical!
O detalhado relato do dr. Alysson foi publicado em duas partes: a primeira na edição de junho e a segunda na edição de julho, trecho que vai circular na revista nos próximos dias, mas que está antecipado agora neste portal. E para ilustrar, a primeira crônica dr. Alysson n’A Granja, naquele fevereiro de 2011, uma homenagem a Roberto Rodrigues, então o titular da coluna Na Hora H.
50 anos da Embrapa
Não desejava insistir nesta ou naquela versão a respeito da criação da Embrapa há 50 anos. Existem algumas polêmicas ou controvérsias com a falta de citação deste ou daquele nome que não poderia ser esquecido na solenidade que iniciou a vida da Embrapa.
A omissão de alguns nomes, muitas vezes, traz constrangimentos a determinados grupos que se formaram dentro da instituição desde o seu nascimento. Caso notório refere-se à falta de atenção à atual diretoria da Embrapa na festa realizada no mês passado (abril) em Brasília.
Insisto e volto a repetir: quem criou a Embrapa foi o Luís Fernando Cirne Lima, ministro da Agricultura do Presidente Médici que, com ele, assinou o decreto oficial que deu vida a esta instituição. Falo isso com o maior prazer, pois sou dele um dos maiores fãs e reconheço a importância e a validade de muitos de seus atos e iniciativas no Ministério da Agricultura há 50 anos.
A admiração era tanta que sonhava com a possibilidade de ele ser o primeiro presidente fora da área militar ainda na revolução. Ele, provavelmente, sabe disso. Alguns fatos, especialmente ligados à viagem que Cirne Lima fez a Minas Gerais, em 1972, são muito importantes na vida da Embrapa.
Em primeiro lugar, Cirne já havia identificado que, como administração direta, ele dificilmente desenvolveria a pesquisa no Brasil. A burocracia era muito grande e o pesquisador do DNPEA (Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação Agropecuárias) era um verdadeiro burocrata.
Gastava, às vezes, até seis meses para adquirir uma autorização de diária e depois mais seis meses para a comprovação dos gastos normais dessa viagem.
Os projetos de pesquisas, na realidade, ficavam relegados a uma segunda importância e só analisados depois do atendimento de toda a burocracia que em volta dele se formava. O Dr. Rondon Pacheco, nessa viagem do Cirne Lima a Minas Gerais, fez questão de que toda a administração da agricultura lhe apresentasse um resumo de seus projetos para que o ministro pudesse conhecê-los.
Quando chegou na vez do Pipaemg (Programa Integrado de Pesquisas Agropecuárias do Estado de Minas Gerais), o professor Helvécio Matana Saturnino fez um relato do que se passava no órgão desde a sua criação.
Cirne Lima assustou-se, pois o Pipaemg havia sido criado havia dois anos e, na data daquela visita, estava com mais de 352 projetos de pesquisa em andamento em todo o estado de Minas Gerais, suas regiões e seus produtos.
Dr. Helvécio explicou que ali estava sendo usado um sistema de cooperação e parceria com as universidades de Minas Gerais com a empresa privada especificamente convocada para isso e atendeu a indagação do ministro Cirne Lima, demonstrando que todos aqueles serviços estavam sendo produzidos a partir de acordos e parcerias, inclusive, com os órgãos federais a ele pertencentes, como o Ipeaco (Instituto de Pesquisa Agropecuária do Centro-Oeste), localizado em Sete Lagoas/MG.
Cirne Lima, assustado, indagou ao Dr. Helvécio sobre qual orçamento ele tinha para manter todos os projetos em andamento. Dr. Helvécio, tranquilamente, explicou que estes eram os recursos dos acordos e parcerias que tínhamos com todos os órgãos.
Naquele momento, o ministro Cirne Lima interrompeu todas as falas e pediu ao governador, Rondon Pacheco, que mandasse sua equipe para Brasília, pois queria, no máximo, dentro de um mês, dar uma decisão sobre o destino do DNPEA e resolver definitivamente a solução da pesquisa no Brasil. Essa reunião foi marcada para novembro de 1972, num Congresso feito na UNB (Universidade de Brasília).
Como nesta data já havia surgido a lei que permitia – de forma muito mais direta – a empresa pública, nós, de Minas, indicamos ao ministro que deveria aproveitar tal lei e criando, através dela, a Embrapa. Nascia, há 50 anos, a hoje tão querida e badalada Empresa Brasileira de Pesquisa Brasileira.
Em meio a tantas festas e benesses, surge um fato horrível para nós todos. O ministro Cirne Lima desentende-se no governo e pede demissão em caráter irrevogável de sua missão.
Para substituí-lo, foi nomeado José Moura Cavalcanti, então presidente do Incra, e que completaria o tempo restante do ministro Cirne Lima.
Moura Cavalcanti era advogado e percebeu a grandeza da Embrapa para a ação de Governo. E, sentindo-se pouco conhecedor da área da pesquisa, chamou-me a Brasília para que eu assumisse a Embrapa.
Chamei a atenção de Moura Cavalcanti sobre a Embrapa ser do Ministério da Agricultura, devendo, portanto, prepará-la para ser a pérola da coroa desse ministério e que ele a conduzisse com a diretoria que Cirne Lima havia deixado na instituição – unanimemente aprovada por todos.
Ainda alertei sobre a fase difícil que iriam atravessar para regularizar patrimônio, bens semoventes, laboratórios e todos os outros detalhes que deveriam ser transformados em empresa pública com registro no Tribunal de Contas da União e toda a burocracia complementar. Ele deveria gastar para isso uns cinco ou seis meses no mínimo.
Moura Cavalcanti concordou plenamente comigo, o que muito me alegrou. Nós só não imaginávamos que, cinco meses depois, eu estaria sendo indicado para ser o próximo ministro da Agricultura.
O primeiro telefonema que recebi foi de Moura Cavalcanti, alertando-me que poderia correr e ir assumir toda a tese que havíamos discutido.
Na realidade, o que eu gostaria de realçar foi a presença do presidente Ernesto Geisel na montagem do primeiro plano diretor da Embrapa em seu nascedouro.
Vi – realmente de forma clara e insofismável – a presença do próprio presidente em comandar um plano executivo sem precedentes para uma empresa pública da pesquisa. Deu exemplo a muitos.
Quando propusemos um concurso público para até 1 mil profissionais na formação da empresa Embrapa, ele sofreu, como eu, a angústia de só ter visto comparecer 52 pós-graduados. Imediatamente, o presidente Geisel me autorizou a fazer uma dívida no valor de US$ 2 bilhões que possibilitasse a correção definitiva do treinamento de pessoal, razão pela qual conseguimos, nos anos seguintes, recrutar e treinar nas melhores universidades e centros de pesquisas do mundo, cerca de 1.530 técnicos que, sem dúvida, marcaram com este ato a vida da nova empresa.
Creio ter dado o meu testemunho de como, de fato, as coisas ocorreram no nascedouro da Embrapa no Brasil. Sugiro que essa empresa não se perca em discussões incorretas na formação da nossa instituição que é a Embrapa, maior empresa pública tropical do globo e que tantos serviços positivos deverão acrescer às necessidades brasileiras.
Com meu nome participando ou não de qualquer solenidade naquela casa, serei sempre um defensor de que o Brasil mais necessita é de ciência, tecnologia e inovação.