O crescimento expressivo da capacidade de geração de energia elétrica renovável e chuvas abundantes, que vêm permitindo a recuperação dos reservatórios de usinas hidrelétricas desde o ano passado, estão pressionado os preços da energia no mercado livre no Brasil, com quedas que superam 50% frente aos patamares negociados no ano anterior, desafiando as elétricas que atuam na área de geração.
Empresas e especialistas apontam que o cenário de baixa dos preços ocorre em horizontes de curto prazo –influenciado sobretudo pela hidrologia– e também de médio e longo prazos, quando pesa mais a perspectiva de sobreoferta de energia, com potência quase três vezes maior do que o consumo esperado em 2031.
Isso tem afetado todas as geradoras, tanto aquelas que comercializam energia existente de seu portfólio, como a Eletrobras (BVMF:ELET3), quanto as que tentam tirar novas usinas do papel por meio de contratos de longo prazo. Do lado da maior parte dos consumidores, que tem energia fornecida pelo mercado regulado, o efeito não é imediato já que as distribuidoras seguem outra lógica para compra de energia, os reajustes de tarifas são anuais, e o impacto é minimizado por influência de encargos e altos tributos.
Nas negociações de curto prazo do mercado livre, envolvendo contratos futuros para um ou dois anos à frente, a trajetória de preços tem sido “anômala”, aponta Rafael Carneiro, diretor comercial da BBCE, plataforma eletrônica de comercialização de energia.
Segundo dados da BBCE, a energia convencional –sem desconto em tarifas, como a das hidrelétricas– para o ano de 2024 foi negociada a 85,45 reais por megawatt-hora no último mês, valor 45,7% abaixo do registrado em março de 2021 (mês que marca o fim do período úmido) e 54,5% inferior ao de março de 2022.
Já para 2025, o preço passou de 165,00 reais em janeiro do ano passado para 101,50 reais no último mês, conforme contratos registrados na BBCE.
“A tendência natural é que, à medida que se aproxime o ano de fornecimento, os preços vão subindo, esse é o normal. Mas exatamente em função dessa anomalia de 2022, por conta das chuvas, ocorreu o contrário”, explica Carneiro.
Os reservatórios de hidrelétricas do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, considerado a “caixa d’água” do país, encerraram janeiro com quase 70% da capacidade, no melhor nível para o mês desde 2012. Para este mês, a previsão do órgão é que as chuvas superem a média histórica em todos os subsistemas.
O cenário se reflete também no mercado spot de energia, com o “PLD” (referência de preços) se mantendo no piso regulatório de quase 70 reais/megawatt-hora no começo de 2023 e expectativa de que permaneça dessa forma ao longo do ano.
Essa baixa de preços tem efeito importante sobre as geradoras hídricas e coloca uma pressão adicional especialmente sobre a Eletrobras, que a partir deste ano passa a ter volumes expressivos de energia para vender livremente no mercado, sem ter uma expertise forte nesse tipo de negociação.
“Essa energia que nós temos, nós pagamos um valor muito mais alto (na renovação dos contratos na privatização), na casa de 230 reais (por megawatt-hora). Se fôssemos vender hoje, íamos vender a 60, 70 reais. Então você tem que ter uma estratégia de compor produtos de mais longo prazo para que você possa aumentar o preço médio dessa energia”, disse o CEO da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, em evento nesta semana.
SOBREOFERTA DE ENERGIA
No médio e longo prazo, porém, os preços também vêm mostrando uma tendência de baixa, principalmente em razão da perspectiva de forte crescimento de capacidade instalada de geração nos próximos anos, aliada a uma evolução fraca da demanda por energia.
No último plano decenal, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estimou um crescimento 75 GW de potência no Brasil até 2031, com o parque gerador atingindo 275 GW, considerando também usinas de geração distribuída e de autoprodução.
No mesmo período, a EPE estima que a carga de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN) passe de cerca de 70 GW médios para 97,2 GW médios em 2031.
Só em 2023 o governo brasileiro projeta um recorde na ampliação da capacidade de geração de energia centralizada, com um incremento de 10,3 gigawatts (GW), sendo mais de 90% desse total em usinas das fontes eólica e solar.
A sobreoferta mais a longo prazo é marcada por empreendimentos cuja decisão de construção não está necessariamente ancorada em uma necessidade real do sistema elétrico brasileiro, como os 8 GW de termelétricas previstos na lei da Eletrobras e a usina nuclear de Angra 3, aponta Luiz Augusto Barroso, presidente da consultoria PSR.
“O ONS tem muita capacidade à sua disposição e isso aí, na nossa visão, tem o potencial para jogar os preços para baixo nessa década”, afirma, ponderando que tendências de preços são difíceis de se prever e dependem da entrada em operação ou não dessa oferta prevista.
Segundo ele, os preços de contratos de energia para os próximos três anos estão chegando na casa de 100 reais/megawatt-hora, ante cerca de 150 reais vistos há um ano. Num horizonte de mais longo prazo, para o final da década, os patamares caíram de 170 para 135 reais.
Barroso observa, no entanto, que as empresas podem capturar prêmioBoom” de renováveis e chuvas pressionam preços de energia no Brasils em cima desses valores, a depender da capacidade de seus times de comercialização. Além disso, do ponto de vista dos consumidores, o custo final da energia não reflete necessariamente valores mais baixos devido a outros valores a serem pagos, como encargos e tributos.
NOVOS EMPREENDIMENTOS
Ao mesmo tempo em que o cenário de sobreoferta joga os preços para baixo e reduz as margens das empresas, os geradores são impactados por um aumento de custos para desenvolver novos projetos, em virtude de maior custo de capital e de preços mais altos de equipamentos.
Esse descasamento dificulta a viabilização de projetos “greenfield” (do zero) com retornos adequados.
Kamila Zonatto, head de Novos Negócios na consultoria Thymos Energia, avalia que o cenário para “greenfield” deve continuar desafiador nos próximos anos. Segundo ela, o que ainda tem viabilizado a assinatura de alguns negócios é o modelo de autoprodução, que confere isenção de encargos ao consumidor.
O vice-presidente comercial da AES Brasil (BVMF:AESB3), Rogério Jorge, avalia que o ano de 2022 foi desafiador para tirar novos projetos do papel, mas que o cenário está mudando e 2023 “não deve ser tão difícil”.
Ele afirma que há vários fatores que apontam para a necessidade de contratação de mais energia e que “não estão precificados” no cenário atual, como a tendência de eletrificação da economia e os compromissos de sustentabilidade de empresas e indústrias, que impulsionam novos negócios de energia renovável.
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Fonte: Reuters