Uma consulta no Google usando os termos “Brasil; campeão; agrotóxicos” vai recuperar um número apreciável de matérias na mídia, que têm em comum a asseveração de que o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Via de regra, essa afirmativa é lastreada em uma informação: o valor de mercado (venda) dos produtos. O que pouco ou nada significa, porque o valor de venda não é comparável entre países, devido às diferenças de taxa de câmbio, fretes, legislação tributária, logística, etc.
É importante analisar essa questão em função dos fatores condicionantes do uso. Para tanto, serão usados dados oficiais da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) www.fao.org/faostat/en/#data/EP, atualizados até 2020. O primeiro número disponível na base da FAO é a quantidade usada por país.
Entretanto, mesmo esse número exige considerar que nem todos os produtos são pesticidas na acepção mais restritiva, pois inclui produtos como adjuvantes, reguladores de crescimento, rodenticidas, desinfetantes, entre outros. Considere-se, igualmente, que nem todo o pesticida que consta da base é de uso agrícola, porque há outros usos, como domissanitários ou em saúde pública. Os dez países listados como aqueles com o maior uso de pesticidas na base da FAO (2020) são apresentados na Tabela 1, na qual o Brasil é o segundo colocado.
Entrementes, é importante considerar outros aspectos que devem modular a análise. O volume de uso pouco significa. Será traçado aqui um comparador. O município de São Paulo possui a maior frota de automóveis do Brasil. Mas também possui a maior população. Se verificado o número de automóveis per capita, São Bernardo do Campo é o líder nesse quesito; São Paulo é o sexto colocado, mesmo com a enorme pressão para uso de transporte individual na cidade.
A primeira consideração é óbvia: quanto maior a produção agrícola de um país, tanto maior será o uso de insumos, máquinas e implementos – o que inclui pesticidas. Uma derivada é que quanto mais alta a produtividade de um cultivo, a princípio, também aumenta a necessidade de uso de pesticidas.
Países frios, menos uso
Também deve ser considerada uma diferença regional muito importante. Países frios ou temperados, que têm uma janela de cultivo estreita (normalmente um único cultivo/ano, com duração máxima de cinco meses), têm muito menos problemas de pragas que países situados nas faixas tropical e subtropical do planeta. Esses países caracterizam-se por sistemas de produção com dois a três cultivos por ano, normalmente ocupando quase que de maneira integral os 12 meses.
Dessa forma, é muito mais lógico utilizar índices que levem em consideração alguns dos fatores acima para ponderar o uso de pesticidas em função do tamanho do agronegócio de um país. Dois deles são muito utilizados internacionalmente. O primeiro calcula quanto de pesticida é utilizado por unidade de área utilizada na agricultura.
Assim, divide-se o total referido na Tabela 1 – mesmo sabendo que nem todo o volume é de pesticida stricto sensu, e nem todo ele é utilizado na agricultura – pela área total de produção agrícola do país. Os resultados são apresentados na Tabela 2. Verifica-se que o Brasil é o 14º colocado na lista, muito distante de ser o país que mais utiliza pesticidas por unidade de área.
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O segundo índice utilizado internacionalmente coteja o volume de uso de pesticidas com o valor da produção agrícola de um país. Isso permite colocar, em um mesmo índice, produtos tão díspares quanto grãos, frutas e hortaliças. O índice é apresentado na Tabela 3. O Brasil situa-se na 35ª posição, muito distante dos primeiros colocados.
O Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, com sua área de produção integralmente em regiões tropicais e subtropicais, com dois ou três cultivos anuais. Assim, o consumo de pesticidas do país é compatível com essas características, inclusive com índices inferiores a países onde as pragas agrícolas são muito menos importantes que no Brasil.
O que não significa que se deve abdicar da constante de racionalização de uso. Em especial com o uso de métodos sucedâneos aos pesticidas, que produzam os mesmos resultados, com menores custos econômicos e impactos ambientais.