Apesar do aumento no rebanho comercial de bovinos, o Brasil tem visto o seu consumo interno de carne vermelha encolher nos últimos três anos. A razão disso é, sobretudo, a inflação em alta, os altos níveis de desemprego e a queda no poder aquisitivo da população. Após o consumo atingir o pico de quase 34 quilos por habitante/ano entre 2018 e 2019, ele foi estimado em cerca de 26 quilos por habitante no ano passado. Este foi o menor nível desde 1996, início da série histórica da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que levanta esses dados.
Porém, podemos esperar um estímulo maior ao consumo a partir do segundo semestre desse ano. Com maior oferta de animais para abate, arroba mais barata e, consequentemente, valores competitivos para a proteína vermelha no mercado interno, deve haver uma redução nos preços da carne. Esta é a expectativa do presidente do Sindicato das Indústrias de Frigoríficos do Estado de Mato Grosso (Sindifrigo-MT), Paulo Belicanta.
Para Belicanta, o aumento na oferta de bois gordos, que tende a crescer nos próximos meses, e a valorização do real ante o dólar são fatores que podem ajudar frigoríficos que se voltam sobretudo para o mercado interno – lembrando que 70% de tudo o que o Brasil produz de carne é internalizado e 30% exportado.
Belicanta tem como base principalmente a maior oferta de animais para abate. Isso porque o setor pecuário começa, este ano, a entrar num ciclo de baixa no preço da arroba, por causa da maior disponibilidade de bezerros, consequentemente, de bois magros e, mais à frente, de animais terminados.
Ele também aponta que o fator cambial pode reduzir a competitividade da exportação, favorecendo o mercado interno com oferta maior de carne. “O dólar mais fraco desestimula a venda para o exterior. Com isso, aumenta a competitividade dos frigoríficos que atendem apenas o mercado doméstico”, afirma. Desde o início do ano, o dólar se desvalorizou quase 16% ante o real, fechando nesta quarta-feira (13) a R$ 4,68, alta de 0,26% em relação ao dia anterior.
E no mercado externo?
Mesmo que os números preliminares de abril da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) ainda apontem forte alta das exportações de carne bovina do Brasil (48.147 toneladas em quantidade vendida nos seis primeiros dias úteis de abril, com faturamento de US$ 296,52 milhões e média diária embarcada de 6.273 toneladas (+29,22% ante abril de 2021), o especialista em pecuária da consultoria StoneX, Caio Toledo, avisa que esses números ainda representam contratos fechados anteriormente. “Pode ser que a partir deste mês a desvalorização do dólar ante o real comece a se refletir em embarques menores da proteína”, pontua.
Entretanto, para o pesquisador e coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCarne) da Embrapa, Guilherme Cunha Malafaia os preços do boi gordo seguem firmes no curto prazo. “Em um período em que se verifica a retenção de fêmeas e a menor disponibilidade de animais para abate, o fator demanda externa impulsiona o preço da arroba paga ao produtor, fazendo com que haja reflexos também para as indústrias frigoríficas que atendem somente o mercado interno”, diz ele, em relação ao preço pago pela indústria pelos animais terminados.
Malafaia observa ainda que, na falta de vacas para abate, as indústrias vão em busca do boi, que está com a demanda aquecida no mercado externo. Assim, o custo da matéria-prima para o frigorífico acaba se tornando mais alto, gerando reflexos no preço da carne paga pelo consumidor. “Este defronta-se com uma situação inflacionária, com perda de poder aquisitivo, reduzindo o seu consumo”, aponta.
A China, aliás, é o principal impulsionador dos preços internos da arroba bovina e, consequentemente, da carne, pois, conforme explica o especialista Toledo, da StoneX, as indústrias exportadoras pagam mais pelo “boi China” (em média de R$ 20 a R$ 30 acima da arroba paga pelo boi comum), que são animais jovens, com até 30 meses de idade ou quatro dentes. “A China compra muito e paga bem por um animal que é mais escasso no mercado”, aponta Toledo.
Assim, uma possível redução nos embarques externos de carne bovina – motivada, por enquanto, pela desvalorização do dólar ante o real – poderia, de fato, aumentar a oferta da proteína animal no País e reduzir o preço ao consumidor final, avalia o pesquisador Thiago Bernardino, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP). Ele alerta, entretanto, que a retomada do consumo de carne vermelha no País não deve ser imediata, mas no longo e no médio prazos, e isso se a economia apresentar sinais de recuperação.
Competitividade com outras carnes
Do outro lado, as carnes suína e de frango e até os ovos seguem competitivos em relação à bovina, o que desestimula a retomada do consumo. No mês de fevereiro, a competitividade da carne de frango frente à proteína bovina atingiu patamar recorde no mês, segundo o Cepea. Considerando-se o frango inteiro resfriado e a carcaça casada bovina comercializados no atacado da Grande São Paulo, a diferença entre as médias de preços estava em R$ 15,61 por quilo. A competitividade da carne suína frente à carne de frango alcançou o melhor nível desde fevereiro de 2019, no mês de março, conforme o Cepea, quando a carcaça especial suína se valorizou 8,5%, negociada, em média, a R$ 8,70/kg na parcial daquele mês.
Quanto aos ovos, a demanda em março superou a oferta e levou os preços ao maior patamar para o mês desde o início da série histórica do Cepea, em 2013. A caixa com 30 dúzias de ovos brancos para retirada na cidade de Bastos (SP) fechou o período a uma média de R$ 145,90, 7,3% acima da média de fevereiro e 5,9% a mais que em março de 2021 em termos reais.
Assim, para Bernardino, do Cepea, é preciso garantir o bem-estar econômico da população para que se tenha mais consumo da proteína vermelha. Nos últimos sete anos, entre 2015 e 2022, ou pelo menos até 2021, houve uma pressão muito grande de desemprego, diminuição de renda e aumento na inflação, aponta. O pesquisador avalia que o brasileiro deve continuar comprando outras proteínas com preços mais em conta, como a carne de frango e suína, já que, em alguns casos, o preço da bovina chega a ser três vezes maior do que o das concorrentes. “Vale lembrar que 170 milhões de pessoas no Brasil pertencem às classes C, D e E. Então essa troca pode continuar, mesmo com uma possível queda nos preços da bovina”, ressalta.
Para que o consumo deslanche, ele observa que é preciso que se tenha uma real melhora na economia, com índices de emprego crescendo e a renda do brasileiro aumentando. “Isso pode melhorar o consumo, mas isso pode vir no segundo semestre, dada essa (perspectiva) de melhora na economia”, diz.
Já o sócio-diretor da Scot Consultoria, Alcides Torres, não vê espaço, por enquanto, para recuos nos preços da carne bovina. “O cenário é de custos de produção elevados pressionando indústrias e varejistas e, por outro lado, consumidores com poder de compra enfraquecido buscando por produtos mais acessíveis”, diz.
Fonte: Broadcast Agro