Eficiência nutricional da cria é ponto de partida para a lucratividade de sistemas pecuários tradicionais ou consorciados
Juliano Resende
Uma atividade sempre desenvolvida em áreas exclusivamente de pecuária, em regiões de baixo índice pluviométrico, em solos de baixa fertilidade e sobre a qual não se cogitava nem falar no emprego de tecnologia, hoje, é tema de artigo de revista: a fase de cria na pecuária de corte. Durante muitos anos, essa etapa do ciclo foi vista como a de menor rentabilidade se comparada com a recria e a engorda. E, de fato, era. O bezerro sempre desvalorizado não dava margens para investimentos, e a falta de tecnologia levava a índices zootécnicos e econômicos muito baixos que, por sua vez, não comportavam a tecnificação. Ou seja, era uma verdadeira “bola de neve”, mantendo as fazendas de cria sempre em um sistema muito próximo ao extrativismo. O valor do ágio (preço do quilo de peso vivo do bezerro em relação ao do boi gordo) ficou durante muito tempo na casa dos 20%. A oferta de bezerros nunca havia sido uma barreira para recriadores e engordadores crescerem em número de animais abatidos, intensificando suas pastagens ou aumentando os animais confinados.
Hoje, o cenário é completamente diferente. Houve uma mudança imensa em um curto período de tempo. A oferta de bezerros esta cada vez menor, a procura por essa preciosidade esta cada vez maior e os preços naturalmente subiram nesse jogo de oferta e procura. Projetos intensivos de recria e engorda têm alto custo com concentrado, adubo, mão de obra, dentre outros, e estão com uma margem muito apertada, visto que, além disso, o custo de compra do bezerro praticamente inviabilizou a produção de carne. Está sobrevivendo quem é extremamente eficiente no processo de engorda, com custos ajustados e com o gado ganhando peso para pagar a conta. Bezerro bom é bezerro que ganha peso, e bezerro que ganha peso é bezerro caro.
Nesse novo cenário, fazer cria ou ciclo completo investindo em tecnologia é sem duvida viável e interessante para aumento de escala. Nesse artigo, vou focar em estratégias nutricionais para aumentar o peso do bezerro na desmama, melhorar a eficiência reprodutiva das vacas até porque praticamente 100% das fazendas hoje expõem as precocinhas (novilhas de 14 meses) à reprodução e elas “sofrem” muito quando se tornam primíparas.
No mercado comprador de bezerros, o melhor é comprar o “bezerro do cedo”, ou seja, os nascidos em setembro, desmamados em abril e frutos de vacas emprenhadas em dezembro (as mais precoces). São os mais “ganhadores de peso” quando comparados aos desmamados no pico da seca. Ou seja, o “segredo” nada mais é do que a nutrição das vacas durante a gestação.
Uma nutrição eficiente na gestação bovina esta correlacionada com a produção de carne de maior qualidade. A nutrição da vaca afeta a eficiência reprodutiva das crias. As filhas das vacas melhores nutridas chegam à puberdade mais cedo e são mais eficientes, ideais para fazendas que buscam precocidade. Estudo indica que filhos de vacas alimentadas em pastagem melhorada entre os 120 e os 180 dias de gestação foram desmamados e abatidos com peso 10% superior na comparação com os alimentados em pastagem nativa pelo mesmo período. Se até o meio da gestação a vaca não receber nutrição suficiente, o feto não formará músculos adequadamente. Então, é importante ficar atento à nutrição, principalmente até os 180 dias de gestação, o que corrobora com a teoria dos “bezerros do cedo”, onde as vacas que emprenham em dezembro comem pasto em boa qualidade e oferta até abril, garantindo boa nutrição até 150 dias de gestação.
Em contrapartida, vacas que ficam gestantes em março comem pasto de boa qualidade por apenas 30 dias, passando a prenhez mal alimentadas, prejudicando o ganho de peso e a formação muscular dos futuros bezerros. Já o terço final de gestação é importante para a formação da gordura intramuscular, que confere marmoreio, maciez e sabor à carne. No entanto, atenção nessa fase, visto que vacas superalimentadas podem produzir bezerros muito grandes e ter dificuldade de parto.
Antes de citar a importância da suplementação concentrada para a eficiência reprodutiva e produtiva, é importante deixar claro que o primeiro passo é ter pastagens bem manejadas, limpas de plantas infestantes, com boa oferta de forragem tanto nas águas e como na seca. É importante também ter infraestrutura, bebedouro, água limpa, ausência de barro, ambiência (principalmente para animais cruzados), cochos de suplementação ajustados ao tamanho do rebanho, animais padronizados, entre outros. Com tudo isso ajustado, esteja seguro que a suplementação concentrada trará ganhos econômicos.
Programa nutricional segmentado
O programa nutricional começa antes do inicio da estação de monta. Novilhas que serão desafiadas jovens devem ser suplementadas buscando ganhos na ordem de 0,7 a 0,8 kg/cabeça/dia. Nesse caso, o nível de suplementação vai depender da oferta de forragem. Em pastagens bem manejadas, 0,6% do peso vivo já é o suficiente para aumentar o ganho de peso delas na recria e serem inseminadas em dezembro. Dica: fêmeas dessa categoria não devem ser inseminadas em outubro ou novembro, pois vão parir em julho ou agosto (no pico da seca) e vão perder muito escore de condição corporal na próxima estação, o que, certamente, vai prejudicar o índice da primípara. Se isso acontecer, a suplementação com 1% do peso vivo deve ser feita logo após o parto.
Durante a estação de monta, suplementar as precocinhas com 0,15% do peso vivo pode ser interessante. No caso de vacas, apenas sal mineral com 9% de fósforo é o suficiente. Naturalmente que avaliar o escore é muito importante. Vacas magras ganhando peso têm bom resultado reprodutivo, o que pode fazer da suplementação concentrada uma ferramenta nesse sentido.
Após a estação de monta, geralmente nos meses de abril, novilhas e primíparas prenhas seguem com suplemento proteico energético até 150 a 180 dias de gestação para melhorar a formação das células fetais “ganhadoras de peso”, conforme já citado. Depois, no terço final de gestação, entra o sal proteinado (0,1% do peso vivo) ou sal mineral, a depender da qualidade das pastagens. Quanto aos bezerros, o creep feeding também é uma estratégia para melhora de índice e que, preferencialmente, deve seguir após a desmama ou caso seja vendido.
Sistemas consorciados
Outro sistema que vale a pena comentar é o sistema de integração lavoura-pecuária, no qual, nas águas, as pastagens perenes bem manejadas e, às vezes, adubadas garantem boa parte dos nutrientes necessários ao rebanho na seca com as pastagens cultivadas sobre a colheita da soja (braquiárias, panicuns, etc). Nesse sistema, até uma estação de monta invertida pode ser feita com inúmeras vantagens.
Em propriedades com facilidade de produzir e estocar volumoso, principalmente silagem de sorgo ou milho, apenas a silagem com sal proteinado na seca, no sistema denominado sequestro, garantem excelente nutrição das vacas prenhas. Nesse caso, o custo aumenta, porém, pode ser uma opção interessante para quem, nas águas, aduba as pastagens e trabalha com alta lotação de vacas por hectare e, na seca, suplementa os animais. Hoje, assessoro fazenda com 8 vacas/ha produzindo 6,5 bezerros/ha desmamando com 240 kg a 270 kg em sistema de creep com suplementação das vacas. Isso dá uma receita R$ 24 mil reais por há.
Não tenho dúvidas de que, hoje, vale a pena investir em tecnologia em fazendas de cria, não só em genética, mas, também, em nutrição, produzindo bezerros ganhadores de peso que vão responder a um sistema de recria e engorda no mesmo nível tecnológico. Essa nutrição deve ser bem feita, visto que o custo é alto e necessita ser convertido em receita adicional. O ideal, para fechar com chave de ouro, seria esses bezerros continuarem na propriedade, na recria e na engorda, para serem abatidos com 660 kg aos 24 meses de idade. Esse projeto é rentável, sustentável no quesito econômico, ambiental e social, além de competitivo com relação a outras opções de uso da terra.