Em entrevista exclusiva ao portal A Granja Total Agro, a meteorologista Cátia Valente afirma que não pode trazer boas notícias para os próximos meses. Com o fenômeno La Niña configurado de forma moderada, verão no Sul pode até ter chuvas, mas muito irregulares sem condições de beneficiar a agricultura. Cátia faz um retrospecto dos últimos 24 meses, que têm sido de sobressaltos para quem atua na indústria a céu aberto.
A região Sul vai continuar enfrentando estiagem nos próximos dias e meses?
Sim, vamos continuar com essa chuva abaixo da normalidade no Estado do Rio Grande do Sul, mas também em parte de Santa Catarina. Toda a área mais ao sul do Brasil, assim como também alguma coisa da Argentina e do Uruguai.
Porque 2021, assim como nos últimos dois anos, estamos passando por períodos em que o oceano Pacífico Equatorial está mais frio do que o padrão. Em alguns momentos, frio suficiente para ser configurado um fenômeno La Niña.
Entretanto, em outros momentos, o resfriamento diminui um pouquinho e voltamos ao que a gente chama de normalidade climática. Mas ainda assim sempre com o oceano com temperaturas mais baixas do que o padrão normal.
Agora, desde meados desta última primavera, o resfriamento foi aumentando novamente. E mais ou menos no início de novembro, foi configurado de novo um La Niña.
La Niña
Aqui na região sul do Brasil, com a influência de um La Niña clássico, que observamos neste momento, ocorre a diminuição do padrão de chuva. A tendência deste fenômeno é desviar os sistemas que provocam a chuva, para o mar. Então, por exemplo, as frentes frias quando passam pelo RS, acabam passando mais pelo Leste gaúcho, trazendo chuvas um pouco mais significativas para a parte Leste, incluindo o litoral, Sul do estado, algumas áreas da Serra e a Região Metropolitana.
E aí a toda a metade oeste do Rio Grande do Sul fica mais seca do que o normal. Esse é mais ou menos o padrão clássico de um La Niña. E é exatamente isso que observamos. Já nos meses de outubro, novembro e, agora, dezembro, estamos observando as chuvas extremamente irregulares, tanto no tempo como no espaço.
No tempo porque a chuva é intercalada por períodos maiores de clima seco. E no espaço em função da irregularidade. Chove bem, às vezes, num ponto e praticamente nada no outro.
Emergência
Neste momento, inclusive, já temos vários municípios que estão decretando situação de emergência, principalmente da parte Norte do estado. O Noroeste do RS enfrenta problemas na safra em função destes baixos volumes de chuva e da irregularidade das precipitações.
A expectativa agora para o verão – que começou nesta terça-feira, 21 – é de que as chuvas sigam nesse padrão abaixo da normalidade e também principalmente irregular. Isso significa que vamos ter períodos em que as chuvas vão ocorrer. No entanto, podem acontecer em determinados momentos e em curtos períodos.
E aí, muitas vezes, temos aquela chuva que vem extremamente volumosa e acaba trazendo estragos. Foi exatamente o que aconteceu na semana passada, na região de Barra do Ribeiro e de Camaquã. Tivemos elevados volumes de chuva, quase 90% da média do mês em menos de 24 horas. Então isso é muito comum de acontecer, essa chuva acaba trazendo muitos transtornos. Entretanto, nada resolve para o déficit hídrico acumulado no estado.
E agora estamos entrando no verão que é uma estação em que a gente sabe que as chuvas são irregulares aqui, e de novo estamos entrando na estação com esses volumes já abaixo do normal. E isso não é bom. Não é bom para preservação, não é bom para nenhum dos usos e demandas da água aqui no estado.
E para a agricultura é extremamente importante que a chuvas sejam mais regulares ou mais frequentes e menos volumosas. E infelizmente não é essa a expectativa. Nós podemos ter esses eventos extremamente chuvoso que, como eu falei, mais trazem transtornos do que benefícios, e podemos ter grandes períodos sem chuva e com temperatura bastante elevadas.
Essa oscilação de ora ser considerada um La Niña, ora apenas um resfriamento não configurando o fenômeno. É comum isso em um período tão curto?
Na realidade estamos desde 2019 com essa condição de um oceano frio, e isso é bastante normal. Pois fenômenos climáticos de grande escala não acontecem assim de um mês para o outro.
Para o Oceano Pacífico Equatorial resfriar ou esquentar, leva meses. A configuração de um fenômeno ou outro, precisa ter no mínimo de 1°C a 1,5°C abaixo da média, que seria a La Niña. Ou acima da média, que seria El Niño.
E isso tem que acontecer por no mínimo três meses seguidos para configurar o fenômeno. Mas, ao longo desses últimos 24 meses, o Pacífico esteve mais frio. Não o suficiente para configurar uma La Niña o tempo todo. Mas, de qualquer forma, esse viés frio do oceano é o que acaba deixando as chuvas extremamente irregulares aqui no RS. Então, por isso, nesses últimos 24 meses estamos vendo essa condição de deficiência hídrica aqui no estado. Tudo em função deste padrão de viés frio do Oceano.
E esses eventos que vimos na semana passada, na Bahia e em Minas Gerais são influência desta condição do Pacífico?
Em anos de La Niña, os sistemas são desviados pelo mar aqui na região Sul. Mas, ao chegar na costa da região Sudeste, eles encontram umidade que vem lá da Amazônia. Nessa época do ano, final de primavera e verão, a umidade da Amazônia se concentra no Brasil Central, que é a estação chuvosa.
A partir da primavera, as chuvas diminuem aqui porque os sistemas meteorológicos começam a atuar na metade do Norte do Brasil. Os sistemas são as frentes frias e as instabilidades da umidade da Amazônia. Essa umidade fica concentrada do Brasil central e, à medida que os sistemas passam pelo mar aqui, ao chegar no Sudeste eles se conectam com essa umidade toda da Amazônia. Aí trazem essas chuvas extremamente volumosas pras regiões Sudeste e Centro-oeste e também alguma coisa do Nordeste.
Só que associado a isso – que é natural – nós temos ainda o La Niña. E ele favorece a chuva na metade norte do Brasil e diminui os volumes de chuva na metade Sul. Temos um fenômeno climático La Niña configurado, que já favorece chuva para aquelas regiões lá. E mais ainda – o que é natural desta época do ano – que é a umidade que fica concentrada lá e a frente fria que atuam naquelas regiões. Pois os sistemas meteorológicos são sempre os mesmos. Mas em determinadas épocas do ano eles atuam mais na metade sul. E aí a metade norte passa pelo período seco, ao contrário da primavera-verão que é quando chove naquelas regiões.
Cada vez que ocorrem episódios de chuva, os produtores fazem festa. A tendência é essa mesmo, de pouca chuva ou vale a torcida?
É só torcida mesmo. Porque no ano 2019/2020 nós estávamos com um La Niña bem configurado na primavera. Então, já em dezembro, as chuvas praticamente pararam na metade do mês. No final de novembro e dezembro nós tivemos alguns períodos até de enchentes no estado.
Tivemos um outubro e novembro de 2019 extremamente chuvosos na metade Sul do RS. E, ao longo desse período de enchentes, em áreas do Norte, a gente já estava vendo municípios decretarem situação de emergência por falta de chuva.
Estiagem
Aí já estávamos nos encaminhando para La Niña bem configurado, que foi o que aconteceu. Tivemos, infelizmente, aquela estiagem generalizada no RS. Parou de chover em dezembro e só voltou a chover mesmo, de forma mais significativa, em maio de 2020. Então nós ficamos praticamente cinco meses com estiagem bastante forte no estado.
Neste tempo, tivemos eventos extremamente chuvosos como aqueles dois ciclones-bomba que voltaram a trazer problemas graves ao estado. Uma das maiores enchentes aconteceu em junho e julho de 2020 nas áreas do Norte gaúcho. Logo depois destes dois eventos a chuva começou a diminuir de novo. E, a partir dali até o momento, os volumes têm sido muito irregulares.
Hora certa
Entretanto para safra 2020/2021 dá para se dizer que choveu no local certo na hora certa, porque embora o oceano ainda estivesse frio, as chuvas ocorreram justamente nas áreas produtoras, graças a umidade na Amazônia. Choveu bem no centro-Norte, Noroeste, não de forma volumosa, não acima da média, porém com volume e frequência adequados. Mas foi mais sorte do que juízo!
Depois ao longo de 2021 os volumes de chuvas seguiram abaixo da normalidade. E, agora, diferentemente do verão passado, e parecido com o verão de 2019/2020, o La Niña voltou a se configurar. E pode oscilar entre moderado e um pouquinho forte agora no início do verão. Mas vai ficar sentido de moderado.
E um La Niña moderado realmente pode trazer problemas para o estado, como a gente já está observando. Estamos ainda em dezembro, não chegou o verão, e os volumes de chuvas já estão bem abaixo da normalidade no RS. E a expectativa é de que continue assim.
Claro que eu não posso dizer que não vai chover e vai ter realmente grande problema… A chuva pode acontecer em determinados momentos,. Mas certamente não vai ser como no verão passado. Tende a ser muito parecido com 2019/2020. Ou seja, volumes menores e uma chuva muito irregular em frequência – o que não é bom aqui para o estado.
Esse fenômeno durar 24 meses já aconteceu?
São vários anos em que temos El Niño às vezes por dois anos, dois anos e meio, no qual a chuva ficou bastante acima do normal. Mas também temos períodos em que a gente tem episódios, pois às vezes esses episódios de El Niño e La Niña podem ficar até três anos atuando.
Claro que não de forma intensa durante todo esse período. Mas como está acontecendo agora um La Niña fraco. Daqui a pouco ele desconfigura e fica o Oceano com viés frio, Em seguida, volta.
E assim é o contrário com o oceano mais quente. Então acontece, sim, de ter esses períodos ou com chuvas menores ou com chuvas acima da média. Mas o que se pode observar, e aí já entrando na questão de mudanças climáticas: todos os estudos apontam que, no RS, vamos ter um aumento do volume de chuva.
Isso significa que são as mudanças climáticas mesmo atuando. Se formos olhar nos últimos 30 anos, veremos muito mais períodos com volume abaixo da média. Mas alguns meses com volumes muito acima da normalidade.
Daí se for fazer a média anual, pode até ficar acima. No entanto, vamos perguntar: mas como assim chove mais e o estado ainda sofre mais com a estiagem? Justamente por causa da irregularidade: porque às vezes chove em poucas horas praticamente o total do mês. E isso é extremamente ruim.