
Enquanto nossas conversas com os amigos costumam girar em torno de manchetes do noticiário, como a pandemia ou a guerra da Ucrânia, o mundo continua avançando em velocidade acelerada – quase que de forma despercebida. A combinação de Deep Data com as perspectivas da inteligência artificial amplia, de forma assustadora, a capacidade de redefinir, dia após dia, quase tudo o que sabemos e fazemos. O acesso ilimitado ao conhecimento de todas as áreas que, direta ou indiretamente, influenciam a produção da carne bovina permite (e assim obriga) inovar constantemente tudo neste complexo negócio.
Durante séculos, a produção de alimentos evoluiu pouco. Com a invenção dos fertilizantes e defensivos, bem como da mecanização da agropecuária, ocorreu, ao longo do século passado, o primeiro salto quantitativo. No entanto, o grande pulo, que catapultou a pecuária brasileira ao topo da lista dos exportadores de carne, se deu a partir do início do século atual. O país tinha deixado de importar alimentos e passou a vender as três carnes para o mundo.
Na carne bovina, podemos dividir a linha do tempo em três etapas:
1980-2000: Entidades de pesquisa e indústrias de insumos promoveram, ‘antes da porteira’, a plataforma para tecnologias que aumentaram a produção, a qualidade e a sanidade com custos que permitiram um consumo de 35 kg/ano per capita.
2010-2020: Foi a década do foco na gestão da fazenda, ampliando a percepção da produtividade para a lucratividade.
2020: Ao longo da atual década, temos que expandir nossa visão para um novo modelo colaborativo ‘depois da porteira’ e até além da nossa cadeia produtiva do boi. Trata-se da criação de um sofisticado conceito de sustentabilidade 360º que eleva a pecuária tradicional a um novo patamar no contexto internacional da produção e do consumo de alimentos.
O primeiro avanço tecnológico ocorreu basicamente antes da porteira. O conhecimento gerado por universidades, instituições de pesquisa, nomeadamente da EMBRAPA, definiu novas soluções e produtos que alavancaram a produtividade no segmento da carne. Com este arco de oferta de inovações, desde a genética, fertilizantes, defensivos e maquinário, os pecuaristas começaram a preparar a transição de produtor para empresário rural. E, hoje, o avanço em drones e aplicativos criou um novo relacionamento entre pais e filhos que convivem nas fazendas. Juntou-se à experiência na lida de animais e na liderança da equipe do dono a habilidade dos jovens de incorporar conceitos e ferramentas que estão promovendo a mudança do foco tradicional na produtividade para uma visão mais ampla da rentabilidade e, agora, da sustentabilidade.
Mas a transformação do setor não para por aqui. As oportunidades de benefícios oriundos de uma comunicação mais intensa e dirigida, reforçada pela necessidade de inovar no modelo de negócio para manter a competitividade e lucratividade – cada vez mais apartadas num setor com crescente concentração – abriram espaço para a chamada era colaborativa. O espectro de conhecimentos e habilidades 360º é tão amplo que ultrapassa a capacidade do domínio de uma só pessoa. Por outro lado, a luta pela manutenção de margens obriga à incorporação contínua de dezenas de ferramentas que surgem ano após ano. Assim, juntar pessoas, dentro e fora da fazenda, empresas, fornecedores e clientes, bem como autoridades controladoras e facilitadoras, tornou-se a solução para produzir com eficiência nesse novo cenário de mudança contínua.
Não há apenas um caminho certo para construir esse novo ambiente coletivo. Podemos procurar vizinhos com perfis semelhantes para construir pools de compra ou venda. Temos o sindicato e a nossa associação de raça que também já notaram que precisam modernizar para atender seus membros. Outra frente de buscar informações e criar laços estratégicos entre fornecedores e clientes relaciona-se às novas formas de fluxo de informações e conhecimento ao longo da cadeia produtiva da carne. Tudo isso é necessário e já está em curso. No entanto, não é suficiente. Temos que trocar ideias com os sucessores ou herdeiros que, muitas vezes, atuam em outros ramos. Pois, a observação e a avaliação de avanços em outras áreas podem, mais cedo ou mais tarde, indicar o que irá embarcar em nosso ramo. Entendemos que quem estiver preparado e dominar as oportunidades que a tecnologia 5G traz até para fazendas longe das cidades pode, sim, fazer parte dos líderes de qualidade, preço e sustentabilidade do setor. Fica cada vez mais claro que o consumidor insistirá na comprovação de características dos alimentos bem além da simples prova de qualidade e de sabor. Marca, selo e certificação do carbono neutro, tudo já em curso e será crucial para a nova pecuária no contexto da economia colaborativa.