Nas últimas semanas, o uso da palavra metaverso começou a aparecer para quem não é atuante no setor de tecnologia. O termo marcou presença no noticiário geral, promovendo curiosidade e até medo. Entretanto, as possibilidades desta ferramenta da evolução da ciência de dados ainda nem começaram a ser descobertas. E o agro pode ter que encontrar seu espaço neste novo latifúndio tecnológico.
Conversamos com o médico veterinário Leonardo Vega, que é empresário e co-founder das empresas F&S Consulting, Cibit, Fluxo Máquinas, Trinovati e Produtor do Bem. Atua nas áreas de bem-estar animal, saúde única e tem promovido o uso de tecnologias disruptivas no agronegócio. Em pauta, as possibilidades do metaverso para o agro e como isso pode interferir no estilo de vida que levamos hoje. E se ficar curioso, depois de ler essa entrevista, Vega recomenda assistir ao filme Jogador Nº 1 – confira o trailer clicando aqui.
O que é o metaverso?
Metaverso é a soma da realidade virtual, da realidade expandida e da internet. As pessoas vão ter um avatar que vai interagir com outros avatares em uma camada digital. É um ambiente tridimensional em 360 graus de imagem. As coisas parecem muito reais no ambiente Metaverso. É uma imersão digital bastante realista, onde você experimenta sensações muito próximas da realidade. Mas sem as limitações físicas do mundo real.
Como você vê a possibilidade de o agro ingressar no metaverso?
Como quem já começou a usar o metaverso na sua versão mais inicial foram as plataformas de games, podemos entender que a indústria do entretenimento vai ser o primeiro setor a usar o metaverso de forma mais difundida. Então a gente pode imaginar que, por similaridade, ensino à distância, treinamentos e capacitações por gamificação, formações que demandam interação entre grupos, tudo isso vai aparecer também para o agronegócio. Especialmente quando a gente está falando de áreas rurais, onde existe a demanda por formação de qualidade, mas por conta da distância, muitas vezes, torna-se inviável estar presente fisicamente em um determinado local de formação. Haverá ambientes de interação e difusão de conhecimento como workshops, congressos, bancas técnicas, etc. Imagine o seguinte: você estará participando de um curso técnico e, durante o intervalo do “cafezinho”, você poderá ir até a loja do evento e comprar um livro, um equipamento, uma máquina e receber a compra física em casa, dias depois.
É dentro deste espírito do EAD, que foi impulsionado pela pandemia, mas como uma experiência visual e talvez sensorial diferente?
Uma imersão. A pessoa vai estar imersa num mundo paralelo, ela vai se enxergar dentro do auditório, no campo, na sala de aula com outras pessoas. Porque o metaverso tem isso de você ter o seu avatar lá dentro. Existe uma versão digital sua e das demais pessoas no mesmo ambiente. Elas vão se enxergar, conversar, interagir e trocar experiências. Vai ter o avatar do palestrante, vai ter a pessoa que estará dando um treinamento e fazendo uma demonstração prática de alguma técnica ou produto, e essa experiência que imerge parte do sistema nervoso do usuário é o que permite a sensação de realidade simulada, enganando parte do sistema sensorial das pessoas e reproduzindo sensações experimentadas no mundo físico real.
Os processos de compra e venda poderão mudar também com o Metaverso?
Isso vai acontecer. Uma agroindústria pode criar uma loja virtual e disponibilizar todo seu portifólio de produtos, abrindo para que o mundo todo possa entrar, analisar e comprar.
Isso serviria para um leilão de animais, que hoje é gravado e poderia estar neste ambiente também?
Com certeza. Experimentando toda a sensação da emoção do leilão e estar vendo os animais de perto por meio de realidade virtual e realidade aumentada. Isso pensando mais imediatamente. O que vai se desdobrar daí é uma coisa que ninguém sabe, pois é uma questão de fronteira tecnológica. Então é difícil dizer onde essa coisa termina em termos de evolução. Vai avançar muito para cenários que a gente jamais poderia supor neste momento hoje. O fato é que para essas coisas mais plausíveis que eu estou comentando: compra e venda de produtos e serviços, e difusão de conhecimento, isso é muito factível de começar a acontecer já. Não é uma viagem, é uma nova tecnologia em construção. E os primeiros passos para além desta fronteira já estão sendo dados.
Mas tem os desafios relacionados a conexões e tudo o mais, né?
A gente está falando de uma nova internet, de uma nova experiência. Penso que o grande catalizador das plataformas de multiverso será a interface tecnológica, ou seja, a empresa que conseguir desenvolver uma boa interface conseguirá tornar a tecnologia viável e escalável. Nós vimos a Apple viabilizar a web 3.0 com a criação do Iphone, lembra? A web 1.0 era aquela internet estática da década de 90, que você entrava no site de uma empresa e estava lá a informação estática. Você lia sobre alguma coisa posta e ponto final. Depois, a web 2.0 criou ambientes mais interativos, onde as pessoas puderam compartilhar textos em blogs, vieram as redes sociais, as pessoas começaram a publicar comentários e fotos. A web 3.0, que é a que estamos usando hoje, já possui ambientes bem mais complexos e inteligentes. São superativos e contam com algoritmos que facilitam nosso dia a dia. Como aquele aplicativo que sugere o melhor caminho do trabalho para casa, economizando tempo, combustível e tornando a mobilidade das cidades melhor. Então nosso telefone passa 24 horas conectado, nosso carro está conectado, nossa casa está conectada. Com um smartphone nós podemos fazer uma transação monetária internacional, comprar o almoço e afinar um violão, tudo usando o mesmo sistema operacional e com poucos cliques. Isso fez com que coisas e tarefas do cotidiano passassem a estar intimamente conectadas entre si, onde máquinas e pessoas passaram a comandar operações conjuntamente.
Para isso tudo rodar bem, a internet precisará ter um desempenho muito maior do que tem hoje. Assim como o Iphone foi importante, os óculos e demais equipamentos vestíveis de realidade virtual também serão fundamentais para a popularização do metaverso. Os óculos, por exemplo, precisarão ser leves, confortáveis, baratos e de boa qualidade gráfica. Imagine a experiência negativa de um usuário que experimenta óculos de realidade virtual que travam a todo momento os frames das imagens, gerando aquela sensação de tontura e desconforto? A experiência precisa ser muito boa e agradável ao público. O próprio criador do Facebook, agora Meta, Mark Zuckerberg, afirma que, para o metaverso ser funcional, a adesão precisará ser em massa.
Há uma barreira tecnológica ainda então?
Sim, e ultrapassada essa barreira tecnológica, o metaverso estará pronto para ser explorado. Então hoje, pensando só em realidade virtual, é muito possível alguém fazer um treinamento, por exemplo, um astronauta que vai para Marte. Ele pode ficar seis meses simulando uma caminhada na superfície de Marte com óculos de realidade virtual para ir ambientando-se àquele novo planeta. E ponto final. Já no metaverso eu poderia assistir a um show da minha banda preferida de rock ao vivo, comprando uma cadeira em Marte. E encontrar você lá. Se você tivesse comprado uma cadeira ao meu lado, nós estaríamos em Marte assistindo a um show de uma banda de rock, ao vivo, exclusivo, só para quem comprou. Com os anúncios de quem patrocinou esse evento.
E pode existir um metaverso para os animais?
A possibilidade de ter o metaverso para os animais tem ainda uma questão ética que precisa passar por um denso debate na sociedade, sobre até que ponto isso pode ser aceito ou não. É ético ou não imergir animais em uma realidade da qual eles não podem optar em entrar ou sair? Quais seriam as premissas éticas de uma aplicação como essa? Há pouco tempo, pesquisadores colocaram óculos de realidade virtual em algumas vacas, onde eram mostradas aos animais pastagens ensolaradas, o que teria reduzido a ansiedade dos indivíduos. Então, e ao que tudo indica, a realidade virtual, que é uma parte do metaverso, tecnicamente também poderia ser usada na produção de algumas espécies. Ainda assim, a verdade é que muito pouco sabemos sobre o que se passa no cérebro dos animais a partir do seu campo visual. Muito menos sobre suas reais experiências sensoriais e emocionais decorrentes dessa exposição. O fato é que seria negligente investir em softwares de realidade virtual ao invés de investir no ambiente real dos animais. Enfim, ainda é muito prematuro especular sobre estas hipóteses, pois se trata de uma questão filosófica ampla a ser cuidadosamente debatida na sociedade.
Existiria uma visão de uma versão de uma lavoura, ou aquisição de uma área, de que forma poderia ser utilizado?
Acho que esse debate de compras no metaverso abre uma outra dimensão no debate que se refere às criptomoedas e aos criptoativos. As pessoas poderão comprar bens no metaverso e provavelmente pagarão pelas suas compras com criptoativos, como é o caso das NFTs, que são “tokens não fungíveis”. Se você quer ter uma propriedade dentro do metaverso, adquirir um bem, muito provavelmente você terá que compreender como funcionam as operações de tokens baseados em blockchain, por exemplo.
Também pode servir como um cenário experimental?
Vejo que essa realidade gêmea, reproduzida dentro da camada digital, também servirá para isso, pesquisas ou experimentações. Se tivermos modelagens matemáticas capazes de prever alguns cenários, seremos capazes de predizer riscos neste ambiente e evitar esses riscos na realidade. É possível prever situações no ambiente virtual e mitigar riscos na vida real aqui fora. Essa coisa de comprar um terreno lá e começar um plantio, talvez a funcionalidade prática disso, seja criar e simular cenários lá e entender como que na vida real seria. Mas daí você teria que ter modelagens matemáticas, inteligência artificial para que o cenário seja minimamente factível e confiável.