Thais D’Avila
De todos os processos realizados dentro de uma propriedade de cria, o desmame pode ser a fase mais importante. É a época correta para sua realização que pode definir o sucesso de todo o próximo ciclo. E também quando podem ser feitas algumas correções, fundamentais para obter o resultado esperado em qualquer propriedade que atua neste segmento da pecuária: um bezerro por vaca/ano. “É momento de acertar o novo ciclo. Acertar o escore corporal da vaca, condição que está totalmente ligada à reprodução. É quando devemos diminuir a demanda de energia dela e retomar o escore corporal e fazer com que ela entregue um bezerro por ano”, explica o médico veterinário e sócio-diretor da Veredas Agronegócio, Gustavo Pranzetti Vieira. “Se negligenciar o momento do desmame, a conta chega lá na frente”, alerta.
Conforme o especialista, partindo do pressuposto que a gestação de uma vaca dura 285 dias, o tempo que o pecuarista tem para emprenhar uma vaca – e conseguir o resultado dentro de um ano – é curto. Se ela não estiver em boa condição corporal, ele não consegue fazer a entrega. “E isso está totalmente ligado ao período de desmame”, afirma Vieira. Gustavo Vieira realiza, junto ao Inttegra – Instituto de Métricas Agropecuárias, o benchmarking da agropecuária brasileira. Trata-se de aprender com as atividades realizadas pelas melhores fazendas. Os números apontam que, se todos os pecuaristas brasileiros fossem “top rentáveis”, ou entre os 30% maiores de acordo com esse levantamento, o PIB brasileiro poderia ser aumentado em 1/3 ou mais de R$ 2 trilhões. Por isso, segundo o especialista, é preciso olhar a propriedade por hectare. “O pecuarista costuma olhar só o animal. Quando começa a olhar o hectare, os ciclos e processos passam a fazer mais sentido”, pontua. Vieira afirma que, mesmo a pecuária tecnificada ganhando espaço a cada ano, o fazendeiro tradicional ainda é maioria.
E para quem trabalha com cria, o pensamento de empresário, focado em números e processos é ainda mais importante. “Onde não existe orçamento, meta, número, a crença impera. Quando faltam números, sobra opinião”, provoca. Segundo Vieira, quem adota um olhar gerencial e de unidade de produção – além do tratamento como empresa que tem processos, prazos e orçamento – tem pulado na frente. “Quando se consegue botar número em tudo, a decisão é mais profissional, mais direta e mais incisiva. E as coisas conseguem andar mais rápido”, explica.
Ele dá o exemplo a respeito da tomada de decisão sobre o descarte de um animal. “Às vezes, o pecuarista antigo conta, orgulhoso, que desmamou um bezerro de 300 quilos. Mas se ele olhar o hectare como unidade de produção, quantas arrobas consegue produzir por hectare, vai perceber que é melhor ter dois bezerros desmamados com 210 quilos do que um com 300.”
E quem não trabalha com esse foco, acaba consumindo patrimônio. Por isso, em muitos casos de sucessão, é promovida a inserção dos processos gerenciais, para que o patrimônio imobilizado remunere o proprietário. “Uma das métricas que utilizamos é remunerar o negócio em relação ao que vale a terra ou o rebanho. Conseguindo remunerar o rebanho a 20% e a terra a 5%. Quando se coloca em um pacote só, os rendimentos podem girar em torno de 20% a 22%, e o custo de oportunidade do dinheiro passa a ser interessante”, calcula.
Nas fazendas de recria ou engorda o que faz a diferença são os insumos, eles que definem o tamanho do negócio. Além disso, são estruturas modulares, escaláveis. “Um pecuarista que faz recria de cinco mil animais, consegue passar a dez mil, quinze mil cabeças em pouco tempo”, explica Vieira. Já na cria, a grande peculiaridade é que quem começa precisa de um ciclo de três a quatro anos para estabelecer um rebanho e começar a girar. “Quem pode mudar o ciclo tradicional da pecuária brasileira é a cria. Com aumento de áreas agrícolas e a integração ganhando espaço, vai faltar bezerro. A cria é a segmentação do futuro”, projeta. Grandes grupos que mesclam cria, recria e engorda, podem aumentar um ou outro segmento, mas não eliminam a cria.
O timing da desmama
Com a necessidade de tanta precisão nas fazendas de cria, para garantir rentabilidade, a desmama é a oportunidade de ganhar o jogo. “O momento da desmama é tão determinante quanto a escolha do reprodutor, do sêmen, da pastagem e do sal mineral”, aponta Vieira. “É o momento em que eu consigo acertar o novo ciclo de produção, pois quando a vaca desmama o bezerro, ela já está com outro no ventre, com três a cinco meses. E a vaca recupera o escore corporal muito rapidamente após o desmame. Com isso, de acordo com estudos de nutrição intrauterina, começa uma série de boas notícias: a vaca mais nutrida tem bezerros nascidos mais fortes, com maior capacidade de ganho de peso e hipertrofia muscular e, consequentemente, maior rendimento de carcaça.”
Do ponto de vista fisiológico, a desmama também é importante para acertar o ciclo, pois quando a vaca está parida, o foco é a produção de leite. ”Toda a iniciativa que eu tenho de suplementar para melhorar o escore, vai ser transformada em leite. No momento em que eu desmamo, além de diminuir a demanda metabólica de leite, ela volta a olhar para ela. E eu consigo, de uma forma mais economicamente viável, retomar a condição corporal. A maior correlação com fertilidade é o estado da vaca. E a fertilidade é o começo de toda a história.”
Gustavo Vieira costuma usar o indicador de quilo desmamado por vaca exposta, que é o que mede a capacidade de produção daquele animal. “Isso atesta todo o processo: se emprenhou bem, se não abortou, se não teve mortalidade de bezerro. É o resumo de uma cria eficiente, sempre com o olhar de unidade de produção por hectare.”
Para garantir o timing correto, o pecuarista precisa ter os lotes organizados por mês de nascimento. “O fato de ter as fêmeas paridas por carimbo de nascimento ajuda no momento exato de fazer o desmame”, explica. E além desta separação por lotes, também existe o processo que deve levar em consideração o bem-estar do animal.
O desmame é um momento delicado para o bezerro, afinal está sendo separado da mãe. “Existe o modelo que utiliza piquetes com cercas, para que o bezerro enxergue a vaca, ou o desmame alternado, em que inverte os bezerros das vacas, minimizando o estresse. Se um bezerro perde dez ou quinze quilos num desmame, é um prejuízo, além do estresse do animal.”
Precocidade sexual
Entre as técnicas que promovem maiores ganhos em propriedades de cria, a precocidade sexual é adotada com bons resultados. Vieira explica que, no modelo que vem preconizando, a categoria abaixo das novilhas de dois anos, que seriam as fêmeas de recria, já estão indo para a reprodução com 12 a 14 meses. “Então, por exemplo, se eu tenho um rebanho com mil vacas, antes eram apenas oitocentas em reprodução. Hoje, com a mesma carga animal eu consigo ter mil, usando a alavanca genética da precocidade sexual”, afirma.
Essas fêmeas mais jovens são desmamadas no tempo normal, com sete a oito meses. Após o desmame recebem suplementação proteica e energética na proporção de 0,3% do peso vivo. Desmamada com 200 quilos, por exemplo, a fêmea recebe 600 gramas diários do suplemento. Quando chega a novembro com aproximadamente 270 a 300 quilos, estará comendo 900 gramas do produto e é mantida na estação de monta sendo suplementada.
Essas superprecoces, no final do ciclo, vão entregar um bezerro de 200 quilos e ainda ganhar peso, pois vão estar com 380 a 400 quilos. Essa unidade de produção é mais inteligente. “Os rebanhos de cria que usam mais a precocidade sexual, considerando os desafios nutricionais, conseguem entregar resultados entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil por hectare/ano.”
Nas fazendas de cria do futuro, ou do presente em alguns casos, todas as fêmeas entram em reprodução aos 12 meses, tendo o seu primeiro parto aos 20 ou 22 meses de vida. Enquanto em fazendas tradicionais ela estaria recém entrando em reprodução. “Essa fêmea já foi desafiada aos 12 meses, já passou por uma seleção de fertilidade. Isso vai se repetindo com uma força gigante, quando ela não precisa mais crescer, e simplesmente emprenhar. Ela será mais competente, se começar mais cedo. Vários trabalhos mostram que, quando começa a sobrepor geração, eu pego uma fêmea que foi superprecoce e ela começa a ter filhos naquele rebanho, o ganho genético e de fertilidade é muito forte”, conclui.
O que os números dizem?
Os números podem revelar muito sobre o trabalho de um pecuarista. Mas também podem trazer ilusões ou confusão, se não forem bem tratados e interpretados. A busca pela excelência na cria passa pela análise correta dos indicadores e pela transformação dos dados em informações relevantes para a criação. A zootecnista Renata Erler, consultora da BovExo, empresa que atua com tecnologias para otimização de conhecimentos zootécnicos, afirma que o primeiro passo é a definição de uma meta. “E para alcançar esse objetivo, o pecuarista precisa adotar diferentes estratégias.”
Renata exemplifica: algumas propriedades de cria têm melhor resultado quando fazem o repasse com touro das fêmeas inseminadas que resultaram vazias. Entretanto, outras fazendas que trabalham somente com inseminação, têm ótimos resultados. “Se eu quero buscar número acima de 80% de taxa de desmame, tenho que usar estratégias interdependentes. Não é só repassar o touro. Tem que melhorar a inseminação, fazer um lote só de primíparas, outro só de multíparas, pois essas vacas têm necessidades diferentes.”
O resultado, segundo Renata, precisa levar em conta o peso que aquela vaca entregou em bezerro. “Se eu tenho uma vaca de 500 quilos que me entrega um bezerro de 200 quilos, e eu posso ter uma vaca de 450 quilos que me entrega também um bezerro de 200 quilos, quem foi mais eficiente?”. O ruminante consome de acordo com o peso dele. “Eu ter esse número em mãos, afeta a rentabilidade da minha fazenda”, explica Renata. “Entre uma vaca de 450 e uma vaca de 500, são cinquenta quilos de diferença. A cada cinco vacas de 450 eu teria um bezerro a mais, em peso.”
Avaliar o peso das vacas é um procedimento negligenciado por quem trabalha com cria. “O pessoal não pesa muito a vaca. Quando fala em peso já pensa logo em recria e engorda. Mas é um indicador importante e fácil de avaliar. A vaca vai seguidamente ao curral para entrar nos protocolos, por que não pesar? Pega o peso e começa a criar as relações para trazer um nível maior de eficiência dentro do seu processo”, ensina.
A tecnologia já existe. Muitos programas no mercado contribuem para a coleta e armazenamento de dados. E os técnicos podem utilizar os números para a tomada de decisão. Entretanto, Renata aponta para a solução apresentada pela BovExo que faz a correlação entre informações coletadas, utilizando inteligência artificial. “A maior dificuldade é integrar os indicadores. Quando o valor da arroba despencou no ano passado, o maior questionamento era: continuo tratando o boi ou solto? E faço a reposição? Essas perguntas ele conseguiria responder utilizando os dados da fazenda cruzados com informações de mercado”, explica. Segundo Renata, a plataforma traz a matemática, uma decisão fria. “O pecuarista precisa se abrir aos números e entender que, por mais que goste daquela vaca, tem que entrar na lista de descarte. Pecuária envolve sentimento de quem gosta do animal e de vê-lo se desenvolver. Essa paixão faz com que siga um caminho que não é financeiramente desejável. A ferramenta te traz os alarmes”, afirma.
Tomada de decisão
Na Fazenda Palmeira, em Camaquã, no Rio Grande do Sul, a cria do gado Devon tem data e processos definidos em todas as etapas. Embora a reprodução aconteça em um período fixo de 90 dias, entre novembro e janeiro, para que a vaca produza um bezerro por ano, a janela para o desmame depende da disponibilidade de forragem. “Eu vou desmamar esse terneiro entre seis e oito meses. Então, em março até 15 de abril, a depender da oferta de forragem, ele tem que deixar a vaca, independentemente do peso”, explica a médica veterinária e uma das proprietárias da Fazenda, Katia Ribeiro.
Para ela, é a categoria mais importante. “É o ponto nevrálgico da cria, que tem de sair do pé da vaca, onde ela decidia tudo por ele. E eu tiro ele da figura materna e ele tem que seguir ganhando peso. Por isso, o mais importante, para mim, é a oferta de forragem”
Além disso, a opção pela raça Devon apresenta um desafio adicional. Segundo Katia, as mães são grandes produtoras de leite. “É um dos processos mais delicados nas etapas de produção. Pois substituir essa alimentação abundante e tirar o terneiro da companhia da vaca requer alguns cuidados.“
Esse bezerro passa por um período de cinco a sete dias na mangueira, com ração e água à vontade, e dali sai para uma pastagem de qualidade. “Como o terneiro fica sem referência, normalmente a gente usa alguns animais (em torno de 10% do lote) de uma idade maior, um ano mais velhos, para indicar onde é o melhor pasto. Assim, eles seguem os mais velhos para aprender a pastar”.
Na Fazenda Palmeira, considerando o inverno gaúcho, a preocupação é para que a vaca esteja pronta antes da estação mais fria. “A ideia é que ela ganhe peso, recupere-se ou mantenha o escore corporal para parir na primavera de novo.” Para permitir essa condição, utilizam o creepfeeding. “O terneiro é mais pesado ou não pela condição alimentar que ele teve no período em que estava mamando. Usamos a técnica para ter mais peso ao desmame e também para dar um descanso para a vaca.” Embora a técnica contribua para deixar a vaca mais livre para pastar, também promove – em casos extremos – quase 50 quilos a mais em um bezerro.
A média de peso ao desmame na Palmeira fica em 210 quilos para os machos e 190 quilos para as fêmeas. “Não é nada de mais, mas é um gado que está a campo. Fazemos a conta financeira. Podemos aumentar o peso ao desmame, mas isso iria aumentar nosso custo com suplementação”, justifica. “Eu poderia fazer o desmame precoce, com terneiros de 60 a 90 dias. Mas esse é um momento tênue na vida do animal, pois ele é superdependente. Tem que dar um suporte alimentar para que ele siga crescendo.”
Katia avalia que o custo para suplementar no desmame precoce seria em torno de R$ 500 a R$ 600, do desmame até o peso de 200 quilos. “E a vaca pode fazer isso por mim, desde que eu não comprometa a condição corporal dela”, compara. Todo o acompanhamento para a tomada de decisão sobre a nutrição suplementar dos animais é feito por profissionais especializados. “A gente precisa cercar-se de pessoas que saibam mais, para garantir os melhores resultados, com o melhor custo. Já que a pecuária na Fazenda precisa apresentar bons números, pois concorremos internamente com a agricultura.”
ILP: caminho sem volta
A Fazenda Palmeira está localizada em região de várzea, com aptidão para o arroz e trabalha também com soja. Já que a preocupação é grande com a disponibilidade de forragem para o gado, a integração lavoura-pecuária foi o sistema encontrado para garantir pastos de qualidade.
“A ILP, para mim, veio e não tem volta. Melhora a condição do campo e do solo. A gente usufrui da área todo o tempo, com datas específicas para pecuária e lavoura. Mas a qualidade de fornecimento de comida para os animais durante o ano está muito melhor. E a produção das lavouras também está melhorando com o uso da pecuária nos intervalos”, destaca. Ela conta que, na propriedade familiar, que está na terceira geração, já utilizavam a integração mesmo que não com essa identificação. “Começou há muitos anos com meu pai. Só não tinha esse nome tão bonito. E, de lá para cá fomos ajustando”, conta.
O plantel de genética está restrito a 250 vacas, e aí trabalham com ciclo completo para a produção de reprodutores. E deixa a flexibilidade da lotação para o gado comercial – recria e engorda – de acordo com a disponibilidade de alimento. “Isso tem sido importante considerando a estiagem que enfrentamos.”