A Embrapa desenvolveu a BRS Integra, cultivar de U. ruziziensis que, dentre suas características, oferece ao agricultor uma alternativa de forrageira para a produção de palhada para os sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta. Sua rápida recuperação com o retorno das chuvas, na primavera, propicia elevada taxa de acúmulo de forragem, o que garante quantidade de palhada suficiente para o plantio direto.
Fausto Souza Sobrinho, Alexander Machado Auad, Alexandre Magno Brighenti dos Santos, Carlos Augusto de Miranda Gomide, Carlos Eugênio Martins, Carlos Renato Tavares de Castro, Domingos Sávio Campos Paciullo, Flávio Rodrigo Gandolfi Benites, Wadson Sebastião Duarte da Rocha, pesquisadores da Embrapa Gado de Leite
A pecuária brasileira está baseada nos sistemas de produção a pasto, o que evidencia a importância das forrageiras, principalmente gramíneas. Assim, o desenvolvimento de novas cultivares forrageiras assume papel decisivo no sucesso da pecuária nacional (Souza Sobrinho, 2005). A área de pastagens, no Brasil, é estimada em, aproximadamente, 180 milhões de hectares, dos quais cerca de 105 milhões de hectares correspondem às espécies cultivadas, sendo 80% dessa área ocupada por gramíneas do gênero Brachiaria (sinonímia Urochloa)(Pereira, 1998; Dusi, 2001; Pereira et al., 2005). As espécies de maior importância forrageira, no Brasil, são U. decumbens, U. brizantha, U. ruziziensis e U. humidicola (Renvoize et al., 1996).
A boa adaptabilidade a solos de baixa fertilidade natural, plasticidade na adaptação a diferentes climas e latitudes, agressividade na competição com plantas daninhas e bom desempenho animal das variedades introduzidas explicam a rápida expansão das braquiárias nos trópicos (Bogdan, 1977; Wenzl et al., 2003; Rao et al., 2006).
A U. ruziziensis apresenta como principais vantagens o rápido crescimento no início do período chuvoso, a compatibilidade em consórcios com leguminosas, o elevado potencial de produção de sementes, a fácil implantação e a boa qualidade da forragem. Contudo, apresenta suscetibilidade às cigarrinhas-das-pastagens, principais pragas da espécie, pouca adaptação a solos com menor disponibilidade de nutrientes e mal drenados e baixa competição com plantas daninhas (Rao et al., 2006).
Embora não seja a espécie com maior área cultivada, a demanda por sementes de U. ruziziensis vem aumentando com o incremento da integração entre lavoura, pecuária e floresta (ILPF). Esta espécie tem sido muito utilizada nos sistemas ILPF, principalmente, por apresentar uma melhor adaptação à sobressemeadura que as demais espécies do gênero. Além disso, U. ruziziensis é mais sensível a herbicidas, demandando menores doses na dessecação pré-semeadura de cultivos em sistema de plantio direto do que outras espécies do gênero (Brighenti et al., 2011). Outra vantagem da U. ruziziensis é que a produção de sementes é uniforme, pois só floresce uma vez por ano, tornando o seu controle mais fácil.
No Brasil, existia, até a safra passada, apenas uma cultivar de U.ruziziensis disponível no mercado de sementes forrageiras. Essa cultivar, denominada cv. Kennedy, foi introduzida, no País, não sendo, portanto, desenvolvida especificamente para as condições edafoclimáticas daqui.
Em função da demanda crescente por sementes de U. ruziziensis e pela oferta de apenas uma cultivar no mercado, a Embrapa iniciou, em 2004, um programa de melhoramento genético dessa espécie. Após alguns anos de trabalhos de avaliação e seleção de materiais, em março deste ano, foi lançada, no mercado, a cultivar BRS Integra. Essa é a primeira cultivar de U. ruziziensis oriunda do programa de melhoramento genético conduzido pela Embrapa, em parceria com outras instituições, para as condições brasileiras. Foi desenvolvida com o objetivo de disponibilizar aos agricultores uma alternativa de forrageira para a produção de palhada nos sistemas de ILPF.
Apresenta, em relação à cultivar Kennedy, maior produção de massa seca de forragem total e de folhas no outono/inverno. Ou seja, produz mais forragem na entressafra das lavouras (época seca), justamente na época em que a forrageira estará solteira na área. Essa maior produção na seca a torna mais indicada para os cultivos que integram lavoura, pecuária e floresta, podendo contribuir com o aumento de produtividade.
Plantas vigorosas
A cultivar BRS Integra, como toda população sexual, apresenta variabilidade entre as plantas. De forma geral, a BRS Integra é composta por plantas vigorosas, de porte médio, com altura entre 80 a 110 centímetros, com boa capacidade de cobertura do solo. O hábito de crescimento é intermediário, tendendo a ereto. Suas folhas medem, em média, 25 centímetros de comprimento e 1,5 centímetro de largura, são eretas com o terço final arqueado. Apresenta colmos finos e alta taxa de perfilhamento, tanto basal como axilar (perfilhos aéreos).
Quando comparada à cultivar tradicional de U.ruziziensis (cv. Kennedy), a BRS Integra mostra menor pilosidade nas folhas (bainha e lâmina foliar), haste e eixo floral mais curtos, com o número de racemos por inflorescência semelhante (média de 4,5 racemos). O florescimento da BRS Integra inicia em fevereiro/março com maturação das sementes em abril/maio nas condições do município de Coronel Pacheco, na Zona da Mata de Minas Gerais (409 metros de altitude, 21º 33’ 13” e 43º 16’ 02” de latitude sul e longitude oeste, respectivamente).
Cobertura de solo
Uma das principais utilizações da U. ruziziensis é como cobertura de solo (palhada) nos sistemas de plantio direto. Como o plantio direto é uma das premissas dos sistemas integrados, essa espécie enquadra-se perfeitamente à ILPF. Sendo assim, a produtividade de forragem total e, especialmente, na época da seca é uma das características mais importantes a serem consideradas. A produção total de forragem ao longo da época chuvosa da cultivar BRS Integra foi semelhante à cultivar Kennedy. No entanto, a BRS Integra apresentou produção de forragem 25% maior na época da entressafra (outono/inverno), justamente no período em que a forrageira fica solteira no campo.
Por apresentar maior relação folha/colmo, a superioridade da BRS Integra sobe para cerca de 35% na produção de folhas na época da seca. Essa maior quantidade de forragem poderá ser utilizada para alimentação animal (pastejo) na época seca do ano ou ser aproveitada como palhada para o plantio subsequente de lavouras no período de transição seca/chuvas. Além disso, a rápida recuperação da BRS Integra, com o retorno das chuvas na primavera, resulta em elevada taxa de acúmulo de forragem (Paciullo et al., 2021), garantindo quantidade de palhada suficiente para um adequado plantio direto da lavoura subsequente, mesmo após o uso da pastagem para alimentação animal durante a época seca.
Em avaliações sobre o pastejo, as cultivares Kennedy e BRS Integra mostraram comportamento semelhante, com bom desempenho animal e adaptação ao pisoteio. Numa avaliação de produção de leite sob lotação rotacionada durante a época chuvosa de dois anos consecutivos, a BRS Integra mostrou rápida rebrotação após o pastejo com período de descanso dos piquetes de 18 a 20 dias. A taxa de lotação foi de 6 vacas/hectare com produção diária média de leite de 15 litros/vaca/dia. Os animais entravam nos piquetes com altura média do pasto de 45-50 centímetros; eram retirados quando se atingia 20-25 centímetros. Nessa condição, o pasto apresentou alta proporção de folhas; a forragem, alto teor proteico (16%).
Para as características relacionadas à qualidade da forragem não foram detectadas diferenças significativas entre as médias obtidas para as cultivares BRS Integra e Kennedy. Também não foram identificadas diferenças entre os materiais para a resistência às cigarrinhas das pastagens, sendo ambas as cultivares consideradas suscetíveis a essa praga.
Avaliações relacionadas à palhada da U. ruziziensis estão em andamento em ensaios de campo. Resultados preliminares evidenciaram que ambas as cultivares de U. ruziziensis (BRS Integra e Kennedy) são semelhantes quanto à suscetibilidade ao herbicida e que as doses entre 1,5 e 2,5 quilos/hectare de glifosato são suficientes para a dessecação e formação de palhada em pastagens dessa espécie. Além disso, o estudo de dinâmica de palhada evidenciou sua alta persistência, caracterizada pela lenta taxa de degradação da massa ao longo do tempo.
Após 77 dias da dessecação do pasto, ainda havia 4.096 quilos/hectare de massa de matéria seca de palhada, o que representava 70% da massa inicial, independentemente da dose de glifosato e da cultivar. A elevada persistência da palhada é uma característica favorável ao plantio direto, especialmente em ambientes tropicais, nos quais, normalmente, há rápida decomposição da biomassa e redução da cobertura de solo.
Calagem e adubação
Como a principal utilização da BRS Integra é nos sistemas integrados de cultivo, normalmente as etapas de calagem e adubação são realizadas para a cultura principal, ou seja, as lavouras empregadas no sistema. Assim, as recomendações de calagem e adubação utilizadas para as lavouras, baseadas na análise de solo, serão mais do que suficientes para atenderem às demandas da forrageira.
Após a retirada das lavouras das áreas, caso ainda existam temperatura e, principalmente, umidades disponíveis, recomenda-se a adubação do pasto formado, para maximizar a produção e disponibilidade de forragem, quer seja para aproveitamento pelo gado no inverno ou para a obtenção de massa para a dessecação e formação de palhada para o próximo plantio das lavouras. Nesses casos, normalmente, são recomendados até 30 quilos de nitrogênio e potássio por hectare. Caso o objetivo seja a implantação da BRS Integra solteira, as atividades de calagem e adubação da área deverão seguir as recomendações básicas para a maioria das braquiárias (Paciullo et al., 2016 )
Indicação de uso
A BRS Integra é uma cultivar de U. ruziziensis indicada para o Bioma Mata Atlântica e recomendada para uso em sistemas integrados de cultivo (ILPF) com objetivo de produção de palhada. Adaptada a solos de média/alta fertilidade, destaca-se em relação à cultivar tradicional na época do inverno, com maior produtividade de forragem/palhada. Pode ser cultivada desde o nível do mar até 1.800 metros de altitude. Assim como a cultivar Kennedy, atualmente disponível no mercado brasileiro, a BRS Integra é suscetível às cigarrinhas das pastagens.
Veja também: A ILPF na pequena propriedade