Por que tantos governantes não entendem que a assinatura de acordos agrícolas precisam ter um outro olhar, pelas características de seu povo? Que é necessária proteção a quem trabalha e produz no campo?
Rui Alberto Wolfart
A vizinhança, os acordos e a parceria comercial entre Estados Unidos e México deveriam garantir segurança e vitalidade econômica entre eles. Diferenças culturais não foram devidamente consideradas nas negociações para o acordo na área agrícola. Questões ancestrais, que se remetem a um tempo anterior ao da descoberta das Américas, não foram objeto de atenções, como o dos hábitos alimentares dos povos, que construíram civilizações hoje tão conhecidas.
Ruínas maias de Chichén Itzá, e de Tenochtitlán capital asteca e do México atual, oferecem uma visão do processo civilizatório de milênios, ocorrido naquela região. As populações pré-colombianas desenvolveram o milho, com grande sofisticação genética o qual se constitui em item importante na alimentação desses povos até hoje. São variedades coloridas com grãos vermelho, azul, laranja, negro,
rosa, roxo, branco cremoso.
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Cada variedade tem o seu próprio uso. Umas se prestam para produzir tortilhas, outras para o niquatole – espécie de gelatina de milho, como o tejate bebida fria. Foram identificadas mais de 50 etnovariedades, que são famílias de variedades primitivas locais, as quais podem ter um número grande de cultivares. Podem existir na América Central mais de 5 mil variedades de milho índio.
O que há em comum entre elas é a baixa produtividade agrícola, algo em torno de 250 quilos/hectare, o que não viabiliza comercialmente o transporte a grandes distâncias para a sua comercialização. Em contrapartida, os Estados Unidos produzem predominantemente variedades de milho geneticamente modificadas, o que viabiliza competitivamente a sua colocação no México.
Em consequência de seus milenares hábitos alimentares, com identificação clara dos sabores plurais de seus milhos, a produção mexicana é confrontada pela norte americana, a qual todavia “oferece” apenas um sabor. Parte significativa dessa população se identifica como o seguinte: “Somos hombres de maíz” (somos homens de milho) magistralmente retratados no romance “Hombres de Maíz” (Homens de Milho), do guatemalteco Miguel Ángel Asturias.
Como se observa, os milhos locais são um fator da identidade nacional e tamanha é a sua importância mundial na atualidade, que na Cidade do México está estabelecido o Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo – CIMMYT.
Recente decreto presidencial do México determina que, a partir de 2024, sejam proibidos a venda e uso de milho geneticamente modificado para a alimentação de seu povo. Não se estenderia tal proibição para a fabricação de rações animais. Como reação, alegam associações de agricultores dos EUA, que tal proibição provocará graves consequências para as economias dos Estados Unidos e México resultando em perdas para agricultores de lá e encarecimento da alimentação para os consumidores mexicanos.
Se denota por esse decreto presidencial, fruto da reação/pressão de sua população, que na hora da formulação do acordo comercial entre ambos os países, não foram considerados os aspectos da produção local de seus milhos e de produtos alimentares com suas peculiaridades, contidas nas tortilhas, niquatole, tejate e sintetizados no dito popular local: “Uma casa sem milho índio crescendo no pátio é como uma casa sem teto ou paredes”.
Por que tantos governantes não entendem que a assinatura de acordos agrícolas precisam ter um outro olhar, pelas características de seu povo? Que é necessária proteção a quem trabalha e produz no campo?