Coluna Palavra do produtor da Revista A Granja, escrita pelo Rui Alberto Wolfart, engenheiro agrônomo, produtor de soja, milho e gado em Nova Maringá/MT, especialista em administração de empresas e autor do livro Reflexões de um alemão cuiabano
Em 2005, a Alemanha contava com 400 mil propriedades rurais que, em 2020, já estavam reduzidas a 256 mil. Ipira, pequeno município catarinense, tinha, em 2019, aproximadas 620 pequenas propriedades rurais que, em 2022, já se limitavam a 550.
Alemanha, o dito motor da economia europeia, com a resistência da população do vilarejo de Lützerath, passou a se constituir em uma referência por um futuro menos poluente, pela sua destruição, para lá ser extraído carvão mineral, levantou o véu da devastação no campo por uma perda sistemática de renda agrícola ao longo das últimas décadas.
Nem o orçamento milionário – patrocinado pela União Europeia – aos agricultores tem salvado da desesperança, da ruína e do abandono de propriedades familiares centenárias. Reclamam lá da assimetria de políticas destinadas ao campo, quando cotejadas àquelas voltadas ao setor urbano.
A guerra na Ucrânia, motivada por tensões geopolíticas, principalmente entre os Estados Unidos e a Rússia, tem envolvido perigosamente os países signatários da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), entre eles a poderosa Alemanha.
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As consequências desse conflito levaram a um súbito colapso na renda de seus agricultores por conta da elevação dos custos de produção, sem poderem contar com mais aportes financeiros pela Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia.
Como disse Bern Schmitz, de Lützerath, Alemanha, em face da eliminação física daquela localidade do país para extração de carvão, sabidamente combustível fóssil e altamente poluente: “E como fazer quando nós, como agricultores, somos obrigados a não emitir carbono, enquanto, em Lützerath, milhões de toneladas de CO² serão lançadas na atmosfera?”
Disse mais: “Isso inclui o ministro das Finanças que barateia a gasolina, mas, ao mesmo tempo, não fornece apoio financeiro ao bem estar animal”, sentindo ele, na pele, essa situação paradoxal por trabalhar com um rebanho de 35 vacas em sua pequena propriedade. Disse também: “Se a sociedade quer uma mudança, então tem que haver financiamento”.
Pelas decisões tomadas pelo Parlamento Europeu, foi estabelecido que, até 2030, a produção de alimentos orgânicos deverá atingir 30% do total produzido. É a situação em que exigem do campo metas que redundam em aumento de custos, mas, para as cidades, o tratamento é outro.
Enquanto isso, aqui no Brasil a situação dos agricultores de pequeno porte em Ipira/SC, retrato nacional, é de um constante achatamento de seus ganhos pela lógica da agricultura científica globalizada dominada por enormes grupos econômicos.
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Há 15 anos, a exploração avícola nesse município contava com 160 aviários. Hoje, reduziu-se a cerca de 70. Em 2021, a receita bruta foi de R$ 40 milhões, sobrando tão somente R$ 3,5 milhões para esses agricultores. Na produção leiteira, a remuneração média para um conjunto de 150 propriedades gerou uma receita bruta de R$ 2,44 por litro entregue. A perda de renda da agricultura na Alemanha, conjugada com exigências ambientais na produção de alimentos, tem provocado manifestações pelo movimento denominado “Wir haben es satt” – estamos fartos. Há semelhança nesses dois casos apontados, na Alemanha e no Brasil, porque a lógica aplicada aos agricultores é a mesma.