Coluna Glauber em Campo, escrita pelo produtor rural, presidente da Câmara Setorial da Soja e da Associação de Reflorestadores do MT, e diretor-executivo da Abramilho, Glauber Silveira.
Em toda transição de Governo, ainda que do mesmo partido do anterior, há mudanças e ajustes de prioridades e estilo de gestão. E e por isso é tradicional uma trégua de pelo menos 100 dias antes de se avaliar a sua performance. Entretanto, no caso atual, não é necessário aguardar para antecipar a tendência de um Governo que chega ao poder após intensa disputa ideológica e uma plataforma oposta ao período Temer e Bolsonaro.
Ainda que a candidatura Lula não tenha apresentado um programa de governo, já se sabia que desde os primeiros dias se iniciaria a implantação de diretrizes no sentido de: ampliação do papel e presença do Estado na sociedade e na economia, barrando o processo de privatização e mesmo a criação de novos entes; maior intervenção governamental, o que explica a criação de 14 novos ministérios; menor preocupação com o equilíbrio fiscal em favor do equilíbrio social; enfatizar a política de abastecimento e de controle de preços; política agrícola voltada prioritariamente para os pequenos agricultores.
Assim, a interrogação que o agro tem pela frente é a de quais serão os impactos desse novo modelo no mercado consumidor de alimentos, nas exportações e na cadeia de produção agrícola como um todo. À parte a questão sobre elevação no índice inflacionário e efeitos sobre a demanda. Em particular, alguns temas importantes para a agricultura serão revisados. Por exemplo, a aprovação de princípios ativos de pesticidas indispensáveis no nosso sistema de produção agrícola, e o volume de recursos orçamentários a serem destinados a subsídios no crédito rural e no Programa de Seguro Rural.
Uma preocupação para agricultores em especial, mas de interesse geral, é a probabilidade da ocorrência de déficit fiscal, o que provocaria não apenas elevação na taxa de juros, mas também restrições orçamentárias para investimentos em área de absoluta prioridade, que é a infraestrutura indispensável para o escoamento interno e exportações. Essa preocupação é reforçada na medida em que o Governo deixa a entender que o espaço de atuação da iniciativa privada será menor, o que subentende que caberá ao Estado investir na área.
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A nova conjuntura política brasileira impulsionou e tornou ainda maior a queda de braço com agronegócio, impulsionado pela ala ideológica dos partidos de esquerda que assumem o atual governo e que encontram dificuldades para implantar um modo de produção mais próximo do modelo de características socialistas, com uma agricultura familiar e orgânica. Uma queda de braço será travada no diálogo entre a realidade da produção em clima tropical e a da produção perfeita e sustentável no sonho imaginário e ideológico.
Outra frente sensível para a agropecuária será a relação com o Governo, com as ONGs e com entidades internacionais que atuam na área ambiental. O discurso e diretrizes são diferentes do Governo anterior. As exigências e restrições ao agro certamente serão maiores, num contexto politizado, com possível influência, e mesmo ingerência, de entidades e governos, especialmente da Europa. O contexto deverá dificultar resolver problemas complexos e que estão na pauta, tais como o PL dos Pesticidas, o PL 490 do Marco Temporal da Demarcação de Terras Indígenas, a regularização fundiária (PL 510) e o Licenciamento Ambiental.
As recentes declarações da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendendo o desmatamento zero, sem a distinção do legal e do ilegal, e o retorno do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério do Meio Ambiente trazem preocupações referentes ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). Pois os dados são usados em várias entidades públicas desde o lado ambiental, administrativo do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAP), quanto o tributário e da Agência Nacional de Águas (ANA). O questionamento é se os dados do CAR serão usados de forma positiva ou serão de forma ideológica e sempre na busca de denegrir o agro brasileiro.
As informações do CAR constituem um banco de dados extraordinário e mostram como os agropecuaristas brasileiros preservam áreas naturais em grande escala como em nenhum outro país do mundo. Ou seja, usar esses dados para certificação de créditos de carbono e outras ações positivas para o agro e para o Brasil são em grande parte obrigação dos Governos Federal e Estaduais. Há mais de 25 anos o agro brasileiro tem se adaptado a tudo e se organiza para produzir mais sem prejudicar o meio ambiente. Quem conhece o ramo sabe que preservar o solo, floresta, abelhas, rios e muito mais é de grande importância para o futuro.
Além das questões ambientais, o desmembramento do Ministério da Agricultura e a transferência da Conab para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar enfraqueceram a política agrícola. Porém, o atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e a indicação dos secretários que irão compor a Pasta, podem ser vistos como aspecto positivo, mesmo não sendo uma unanimidade, uma vez que são nomes ligados ao setor e que entendem a realidade do agro. É prudente ter alguém que não vê como você do que quem vê contra você, ressaltando que neste início todos os lados terão menos espaço de trabalho e menor força de atuação.
Contudo, em que pesem dúvidas e incertezas quanto a implantação de todas as propostas e diretrizes do novo Governo que possam limitar a atuação do agro, há uma certa confiança de que os setores dinâmicos da economia brasileira, com destaque para o agro, foram construídos com base na iniciativa privada e não sob o manto do Estado. Em outras palavras, o agro brasileiro seria suficientemente forte e dinâmico para atravessar situações adversas políticas e de mercado. Em particular, que a competitividade do agro e sua inserção no mercado internacional constituem pilares fortes o suficiente para continuar sua trajetória, ainda que com menor intensidade.
Contudo, em que pesem as nuvens de incertezas que escurecem a visão de curto e médio prazo, inclusive no que concerne à economia mundial e de dependência do Executivo, Legislativo e Judiciário em determinados temas, é evidente que a representatividade do agro têm que manter e continuar um bom diálogo com os novos dirigentes governamentais, independente das ideologias, assim como com os demais segmentos do mercado. E este entrosamento tem que ser construído com base num relacionamento respeitoso, técnico e comprometido com o cenário mais benéfico, não apenas para o setor, mas para o Brasil.