Animais meio-sangue garantem carne premium e precocidade com lucratividade em alta
Leticia Szczesny
Com a expansão dos sistemas de confinamento em solo brasileiro como forma de intensificar a produção de carne premium, produtores têm apostado na genética de animais meio-sangue e colhido resultados expressivos no cocho. A Estância G’Martin, de Uberlândia (MG), por exemplo, adotou um sistema de cria intensiva e vem produzindo mais do que o dobro do obtido em pastejo tradicional ou no semiconfinamento. O criatório desmama 1.050 quilos de bezerro por hectare a partir de Inseminação Artificial a Tempo Fixo (IATF) de sêmen Angus em matrizes Nelore. Um modelo pequeno, mas muito eficiente.
Para alcançar esses resultados, a propriedade, comandada pelo pecuarista Gusthavo Wagner, foca em três pilares: manejo, nutrição e, é claro, em dados. “Se tenho bons dados, tenho decisões concretas. Se tenho uma boa nutrição, que conversa com a estrutura e com a capacidade e a necessidade dos animais, estou garantindo índices de produtividade. E obviamente, se tenho um excelente manejo, estou cuidando de algo que pode afetar essas duas linhas para trás, como estresse do animal e questões sanitárias”, explica Wagner.
Formado em Economia, ele agregou o amor aos números à lida dos negócios da propriedade, um projeto que começou com seu pai há mais de duas décadas. A fazenda já foi local de recria, engorda, produção de leite e até mesmo de criação de carneiros. “Meu pai sempre teve diversos negócios na fazenda e muitos funcionavam, mas não traziam rentabilidade importante”, conta. Ao ver que a cria foi a que apresentou melhores resultados financeiros, o produtor decidiu ir em frente e buscar inspirações em outros países como Estados Unidos e Austrália, onde as adversidades climáticas impõem desafios ao rebanho como no Brasil.
O projeto de cria intensiva teve início em 2018 com 50 vacas. Hoje, quase cinco anos depois, a propriedade trabalha com 180 matrizes aptas à reprodução em 33 hectares, produzindo assim cinco bezerros por hectare, mais de mil quilos de animal à desmama/ha. O índice obtido pela propriedade mineira é bem maior do que a média da pecuária nacional, que gira na casa dos 0,3 bezerros por hectare, cerca de 175 quilos de bezerro por hectare. O objetivo, explica Wagner, é aproximar a pecuária da agricultura, atividade que potencializa ao máximo o uso das áreas. “Nossa ideia foi buscar alta eficiência, com grandes margens”, reforça. A fazenda opera com 100% em sistema intensivo e com a eficiência na ponta do lápis, operando com margens entre 25% e 30%.
Seleção genética
Na hora de selecionar o sêmen dos reprodutores nas baterias, Wagner é bastante criterioso. Para assegurar a qualidade da bezerrada, além da excelência de suas matrizes, leva consideração as DEPs. Características como Peso ao Desmama, Tamanho ao Nascimento, Ganho de Peso aos 90 dias, Área de Olho de Lombo, Estrutura de Carcaça, são essenciais, segundo ele, para que os animais resultem no melhor gado para o criador, para recria e para o consumidor final. “Elas são importantes do ponto de vista do bezerro, mas também da indústria de carne”, explica o produtor, que não abre mão de usar sêmen de reprodutores nacionais e importados.
Os cuidados, é claro, também se estendem às matrizes. Atualmente, o manejo resume-se a dois tratos dia por animal, com fornecimento de 12 a 16 quilos de alimento quilo/dia por matriz. A alimentação consiste basicamente em silagem de milho e cevada. “Nosso diferencial é que hoje a gente entende a necessidade nutricional que essa vaca, dentro do nosso protocolo, necessita para garantir todos os índices reprodutivos de desmama e natalidade dentro da fazenda”, destaca. Tudo isso, reforça, aliado a eficiência econômica. Todos os meses os animais são levados ao curral para avaliação de características como peso, e tudo é planilhado para tomada de decisões.
Segundo o produtor, a raça Angus tem se adaptado extremamente bem ao sistema de cria intensiva na fazenda. “Podemos ver não só a adaptabilidade do sêmen na questão reprodutiva, mas também no resultado do bezerro, que responde muito bem dentro do sistema”, acrescenta. Além de destacar-se em adaptabilidade e precocidade alimentar, a raça contribui nos excelentes índices de prenhes das matrizes, hoje em 85% em IATF em touro zero. “O Angus no cruzamento industrial vai ser o animal de ponta, de carne a ser consumida, dado esse casamento perfeito de rusticidade do Nelore juntamente com as capacidades genéticas e depósito de carne que esse animal tem”, pondera o pecuarista.
Gerente de Fomento da Associação Brasileira de Angus, Mateus Pivato, destaca que Wagner está realizando o processo de intensificação de forma bastante inteligente, analisando cada variável dentro da equação para tomada de decisões corretas. “E a Angus, devido a sua eficiência, principalmente no cruzamento industrial, se torna peça chave nesse sistema”, ressalta. A tendência, segundo ele, é que, assim como Wagner, os criadores utilizem cada vez mais a genética de animais meio-sangue como uma ferramenta para obtenção de carne de qualidade, de lucros expressivos e de produção ágil.
Informação sobre confinamento ajuda o setor
Estudo inédito realizado em 2021 pelo projeto Confina Brasil, desenvolvido pela Scot Consultoria com apoio de diversos parceiros, indicou que a Angus foi citada por 77,8% dos confinadores do Paraná, 66,7% dos de Santa Catarina e 65,4% dos do Rio Grande do Sul. No Brasil Central e regiões Norte, Sudeste e Nordeste, a raça também predomina, mas na escolha para a composição de sangue britânico entre os pecuaristas que confinam animais cruzados (britânico x Nelore).
Médico veterinário e coordenador do Confina Brasil, Felipe Dahas, destaca que a Angus tem uma adaptabilidade de engorda maior do que as outras raças em confinamento. Fator que, assim como a bonificação pela carcaça dos animais nos frigoríficos e o melhoramento avançado dos exemplares, contribui para a expansão da raça nos sistemas de confinamento do país. “Os criadores que optam por utilizar genética Angus, fazendo meio-sangue Angus nos cruzamentos industriais e utilizam isso em confinamento, têm uma vantagem. O Nelore tem muita rusticidade a pasto, porém quando vamos falar em cocho, em intensificação, nós temos aí a sensibilidade do zebuíno. O zebuíno às vezes dá um refugo de cocho, que não é o esperado em caso de confinamento. O que já não acontece com os taurinos. Então, quando a gente fala em Angus, ele já tem uma habitabilidade melhor ao cocho, a intensificação, ao consumo de concentrados e a conversão disso também”, reforça Dahas.
O Confina Brasil 2021 compilou dados de mais de 130 fazendas de 11 estados, integrando 2,09 milhões de cabeças confinadas, 42,4% dos 4,93 milhões bovinos criados em sistemas intensivo de produção no país. Das propriedades visitadas, 31,1% engordam bovinos F1 (britânica x nelore), 30,5% terminam bovinos anelorados e 11,9% operam com raças puras britânicas. “Essas informações geradas pelo Confina são muito importantes, pois mostram o potencial produtivo e a adaptabilidade da raça nos diversos estados visitados e nos diferentes sistemas, agregando valor a toda a cadeia produtiva e contribuindo com o desenvolvimento da pecuária no país”, pondera a gerente nacional do Programa Carne Angus, Ana Doralina Menezes, lembrando que o confinamento tem sido cada vez mais utilizado pelos produtores para intensificar a produção de carne premium.
O projeto da Scot Consultoria percorreu 30 mil quilômetros ao longo de 2021. Parceiros da iniciativa, a Associação Brasileira de Angus e o Programa Carne Angus Certificada participaram da agenda em nove estados visitados durante os três roteiros realizados. O staff da Angus também marcou Consultoria, onde atualizou informações sobre mercado, economia, além de perspectivas para 2022.
Entre as propriedades que abriram as porteiras para o Confina Brasil 2021 estão as fazendas do grupo LFPec, que tem terras em São Paulo, Bahia, Mato Grosso e Pará. Utilizando o Angus no cocho, o diretor presidente da empresa, Francisco Camacho, diz que o sucesso depende de planejamento e de parcerias bem costuradas. “Não se faz confinamento sem saber antes para quem se vai vender. Trabalhamos com Angus há muitos anos focado em nicho. É preciso trabalhar dentro de projeto específico e com mercado definido por uma venda contratual”, frisa o empresário atento aos custos de produção e à fama de exigente do gado Angus quando o assunto é nutrição. Segundo ele, o aumento no uso da raça em confinamento deve-se a acordo fechado com o Frigol que prevê entrega de 2 mil animais por mês nos 12 meses no ano. Metade da entrega é composta por animais produzidos pela LFPec e o restante vem de parceiros. “É um animal que remunera melhor porque custa mais e produz uma carne melhor”.
Como começar um sistema de cria intensiva
- Escolha bem as matrizes
O criador precisa selecionar bem as matrizes. Em uma operação de cria, o fator que se busca no final é o bezerro, mas para chegar nele é necessário ter matrizes de boa qualidade. E fêmeas de boa qualidade não necessariamente tem que ser PO ou grandes, mas sim, matrizes com qualidades que irão impulsionar características reprodutivas e que vão levar a ter um bezerro de excelência. Uma delas, por exemplo, é o frame size. É importante ter animais com frame baixo, pois quer dizer que tem uma precocidade genética maior; que entre 15 e 18 meses já tem capacidade genética e que não ficam grandes, garantindo que o produtor não tenha um custo alimentar alto. - Estruture a fazenda
O produtor tem que estruturar a propriedade. Se ele tem, por exemplo, pasto. É necessário que ele busque melhorar as questões rotacionais dele para poder aproveitar ao máximo a eficiência da fazenda. Precisa avaliar como estão estruturadas as linhas de cocho para facilitar o manejo. A propriedade tem que ser sustentável e viável economicamente. Para isso, é necessário ter um direcionamento logístico importante para que essa mão de obra trabalhe de forma eficiente e dê resultado. - Construa um sistema de alimentação
O criador precisa ter em mente que tipo de alimentação oferecerá para os seus animais e de que forma ele proverá ela. É preciso definir se a alimentação será produzida na própria fazenda ou se será oriunda de um fornecedor. Se quer produzir na propriedade, é preciso avaliar se a mesma tem espaço para isso. Se sim, ótimo! Mas, caso contrário, é necessário buscar fornecedores que atendam às suas necessidades. - Construa uma base de dados
Independentemente do tempo que está trabalhando com sistema de cria intensiva, o criador precisa começar a construir sua própria base de dados. Por isso, pese os animais, separe-os em lotes, entenda as dinâmicas alimentares deles. Com isso, você terá as informações necessárias para tomar as melhores decisões dentro da sua fazenda