Os solos arenosos são expressivos em áreas com pastagens degradadas. O resgate desses ambientes se impõe para a própria sobrevivência do pecuarista. Para tanto, sistemas integrados de produção agrícola, como ILPF e ILP, possibilitam a diversificação das atividades, a redução dos riscos climáticos e ainda diminuem riscos de mercado.
Engenheiro agrônomo Daniel da Silva da Silveira, doutorando em Agronomia na Unoeste, dsilveira33@yahoo.com.br; engenheiro agrônomo Edemar Moro, Doutor em Agronomia e professor na Unoeste, edemar@unoeste.br; engenheiro agrícola Marcello Augusto Dias da Cunha, doutorando em Agronomia na Unoeste, prof.madc@gmail.com; engenheiro agrônomo Ronaldo Trecenti, mestre em Ciências Agrárias e especialista em Plantio Direto, Vetor Agroambiental Consultoria, ronaldo.trecenti@gmail.com
A nova fronteira agrícola do Brasil está representada pelas pastagens degradadas, de uso exclusivo da pecuária extensiva e que, em sua maioria, encontram-se em solos arenosos reconhecidamente limitados para a prática de agricultura. A aparente contradição não consideraria um novo jeito de se fazer agricultura.
Os solos arenosos ocupam importante área com pastagem degradada e estão presentes em quase todo o país. São ambientes naturalmente frágeis e, quando mal manejados, podem ser facilmente erodidos, provocando importantes perdas de solo, em especial à camada fértil, trazendo enormes prejuízos financeiros, ambientais e sociais. A condução dessas áreas é feita, em geral, com baixa tecnologia, com técnicas inadequadas de uso e conservação do solo e da água e, invariavelmente, sem a correção de solo. Essa combinação de fatores leva à sua degradação e à perda do potencial produtivo.
A conservação desses solos depende muito da sua cobertura vegetal; por isso, devem ser mantidos com a vegetação natural. Ou, então, fazer uso de sistemas de produção que mantenham o solo coberto com culturas na maior parte do tempo durante o ano e utilize a palhada como cobertura morta na transição de cultivos.
Pela sobrevivência dos pecuaristas
A recuperação das áreas com pastagens degradadas é ação de caráter urgente para garantir a sobrevivência e a permanência dos pecuaristas na atividade. Para tanto, a agropecuária praticada no Brasil deve ser capaz de reconfigurar-se e recompor as áreas degradadas de modo a tornar-se uma ferramenta para solução de problemas ambientais. E, ao mesmo tempo, alcançar maior eficiência na produção de alimentos.
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Neste cenário, os sistemas integrados de produção agrícola (Sipa), como a ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta) e a ILP (integração lavoura-pecuária) se apresentam como uma grande alternativa possibilitando a diversificação das atividades na propriedade, redução dos riscos climáticos (veranicos, chuvas torrenciais, geadas, ventos fortes etc.) e dos riscos de mercado (elevação do preço dos insumos e queda no preço da produção). A implantação desses sistemas integrados possibilita maior produção de forragem com boa qualidade na entressafra, por meio do plantio consorciado de culturas anuais ou de lavoura como o milho e/ou o sorgo com plantas forrageiras (braquiárias, panicuns e leguminosas).
O uso da agricultura regenerativa (AR) em solos arenosos está em consonância com uma agricultura conservacionista que inclui técnicas como o sistema plantio direto (SPD) e os Sipa. A preservação de restos culturais de diversas composições bromatológicas, plantas de coberturas solteiras ou em composições variadas denominadas de mix, será responsável por “pools” de nutrientes com taxas de disponibilidades em tempos variáveis. Desta forma, os indicativos da regeneração do ambiente são constatados pelos serviços ecossistêmicos da microbiologia, meso e macrofauna do solo. O solo precisa ter vida e proporcionar vida.
Mais atividade biológica
Nas áreas com ILP, observam-se maior atividade microbiológica e presença de minhocas, corós, etc. Isso se deve, em grande parte, ao aumento dos teores de matéria orgânica (MO). O cultivo de soja em solos arenosos com baixa cobertura vegetal em regiões com histórico de veranicos representa um alto risco de perdas na produção.
Na figura 1, a cultura da soja atingida por forte veranico na safra 2021/22 em duas situações. Na situação com palhada de braquiária, a produtividade foi 42,1 sacas por hectare (lado direito superior da figura). No sistema de pousio, a perda foi de 100%; não houve colheita (lado esquerdo da figura). A semeadura de ambas as áreas foi no mesmo dia, com a mesma adubação e mesmo cultivar.
Figura 1 – Soja sob efeito de forte veranico na safra 2021/22
A ILPF é, por excelência, um sistema regenerativo. Quando implantada e conduzida de forma correta, regenera o ambiente e cria as condições para que as culturas agrícolas e forrageiras expressem o seu potencial. Como relatado anteriormente, o solo arenoso precisa estar sempre vegetado. Esse procedimento é, em parte, conduzir o sistema imitando a natureza. Só com a adição de muitas raízes e palhada é possível manter em equilíbrio a microbiologia, meso e macrofauna dos solos arenosos. Qualquer distúrbio, seja causado por preparo do solo ou por erros no manejo da pastagem, poderá comprometer a sustentabilidade desse ambiente.
Nos sistemas de ILPF, prioriza-se o uso correto do solo e o conceito de usar as plantas para equilibrar o sistema de produção. A MO eleva-se com maior aporte de palhada. O adensamento do solo – que pode levar à compactação – é evitado previamente com o aumento do volume de raízes no perfil. Esse cuidado em usar plantas de sistemas radiculares agressivos e diversos será o fator fundamental para aumentar a infiltração de água e preservar o ambiente da erosão laminar ou por sulco.
Retenção de umidade e incremento da MO
A ILP tem possibilitado o plantio direto da soja ou do milho sobre volumes adequados de palhada, proporcionando uma proteção contra a ocorrência de pragas, doenças e plantas daninhas e a obter altos rendimentos das lavouras (60 sacas/ha de soja e 150 sacas/ha de milho). A obtenção das produtividades citadas deve-se à retenção da umidade no solo e ao incremento da MO; por consequência, melhoria nos atributos físicos, químicos e biológicos do solo.
Com o maior aporte de raízes no sistema, torna-se viável o uso de bioinsumos e de fontes alternativas de nutrientes como os remineralizadores ou pós-de-rochas. Quanto mais raízes, maior será o volume de exsudados. Esses ácidos orgânicos farão a solubilização mais rápida dos remineralizadores, tornando o seu uso viável. Além disso, nesse sistema, os fertilizantes solúveis também terão a sua eficiência aumentada. O calcário aplicado a lanço e sem incorporação terá sua percolação, no perfil, facilitada pela maior porosidade produzida pelas raízes.
Diversidade de espécies
Quanto maior a diversidade de espécies usadas mais rápido será regenerado o ambiente. Exemplos que podem ser citados: a rotação de soja ou de algodão com o milho; e o consórcio de milho e/ou sorgo com braquiária. A braquiária é usada para ajustar a física do solo, melhorar a infiltração de água, aumentar os teores de matéria orgânica, alimentar os animais (áreas com pastejo melhoram a qualidade do solo e proporcionam maior produtividade de grãos), além de um excelente efeito supressivo nas plantas daninhas do cultivo principal, em especial naquelas com resistência adquirida à herbicida.
Outro exemplo a ser citado é o consórcio de plantas forrageiras com leguminosas. Os animais que pastejam nessas áreas apresentam maior ganho de peso. Outro benefício desse consórcio é a biofertilização do solo, ou seja, o uso da leguminosa para retirar nitrogênio da atmosfera e transferir para o solo. Esse nitrogênio será transformado em carboidrato e proteína animal, alimento para a microbiota do solo, matéria-prima para a formação de MO e fonte de nutrientes para o sistema. Essa prática é uma adubação de sistema proporcionada por plantas e não por fertilizantes químicos que, nos processos de fabricação e nas aplicações a campo, emitem gases de efeito estufa (GEE); por essa razão, pode ser denominada biofertilização do solo.
A AR é uma estratégia de produção eficiente e deve contemplar o aumento no teor de MO do solo, fortalecer os ciclos biogeoquímicos de ciclagem do carbono em suas diferentes frações, aportar nutrientes como o nitrogênio, fósforo, enxofre etc. nos diferentes complexos sortivos do solo. Ademais, o grande serviço dessa modalidade de agricultura deve estar focado na capacidade de armazenar água em níveis não limitantes para a produção vegetal. Por fim, a manutenção da vida no sistema e nos seus diferentes níveis tróficos.
Um exemplo prático de uso da agricultura regenerativa é a adoção da ILPF associada ao Sistema São Matheus, implantando-se soja com cultivares de ciclo precoce e/ou médio (duplicando-se a dose de inoculantes); após a colheita da soja, planta-se a floresta (em geral de eucalipto) utilizando-se subsolador/adubador florestal, podendo-se aplicar fontes de fertilizantes de solubilidade parcial e/ou gradativa, em plantios de renques de fileira única ou de múltiplas, em função do foco da produção, sendo que, em áreas planas, o sentido de plantio das fileiras pode ser leste/oeste e, em áreas com declividade, ele deve ser em nível, visando à conservação de solo e de água.
Figura 2 – ILPF em solos arenosos no estado do Mato Grosso do Sul
Eucalipto
A ILPF com eucalipto em solos arenosos tem possibilitado a produção de grãos, silagem, carne e/ou leite e madeira na mesma área, em consórcio e/ou rotação. Isso possibilita a recuperação de áreas de pastagens degradadas e a sua inserção nos sistemas integrados de produção, com rentabilidade e sustentabilidade, proporcionado o conforto térmico animal com aumento de até 20% na produção de leite vaca/dia e de 15% de ganho de peso vivo/dia, com produção de carne de 18 arrobas/hectare/ano, além da produção de 40 metros cúbicos de madeira/hectare/ano. Isso sem falar na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), no sequestro de carbono e na produção de água. Sem sombra de dúvidas, isso é agricultura e pecuária regenerativas e sustentáveis.
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