Coluna Palavra de Produtor, escrita pelo engenheiro-agrônomo, produtor de soja, milho e gado em Nova Maringá/MT, especialista em administração de empresas, autor do livro Reflexões de um Alemão Cuiabano, Rui Alberto Wolfart.
Corria o ano de 2018, quando fui recebido, por uma hora, pelo embaixador chinês Li Jinzhang em Brasília. Nessa audiência, lembrei a frase empregada por Kissinger, em 1972, em suas conversas com Mao Tsé tung: “Tong le he zuo” – “conecte as forças, trabalhe junto”. Esse resgate faz-se necessário, neste momento, por consequência da brutal perda de receitas agrícolas em soja e milho, em mais de R$ 45 bilhões somente em Mato Grosso, pela agressiva conduta de especuladores que, de maneira incontrolável, predam em nanossegundos o valor daquilo que levou, no mínimo, seis meses para ser produzido. Se a segurança alimentar é fator estratégico nas decisões dos países, a continuada manipulação dos mercados agrícolas contrasta com essa dita preocupação com o suprimento de comida às suas populações.
Se a segurança alimentar é fator estratégico nas decisões dos países, a continuada manipulação dos mercados agrícolas contrasta com essa dita preocupação com o suprimento de comida às suas populações
Ao longo dos últimos 40 anos, a agricultura brasileira cresceu 5,5% ao ano, amparada em conhecimento, capital humano, gestão com crescente sustentabilidade. O Brasil, olhando para um cenário até 2050, é colocado como fornecedor estratégico mundial no campo alimentar.
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Todavia, para que isso aconteça, é necessária uma concertação interna e externa. Se o atual modelo de comercialização agrícola é o do xadrez, que busca o ganho total, razão da atual destruição da renda agrícola brasileira, lembro novamente o olhar chinês, com os princípios do Wei qi, em que se busca a vitória relativa que, ao encerrar o jogo, tem como resultado quase um empate. Enfim, há uma pequena margem para o vencedor. Ou seja, há flexibilidade estratégica nesse embate.
Deflacionando os preços agrícolas num trabalho dos últimos 100 anos, tem-se como resultado uma perda de renda constante por parte dos agricultores. Isso é seguro e aceitável quando o grosso da população mundial mora, atualmente, em cidades e não mais no campo? Se a insegurança alimentar é crescente, derivando de fatores incontroláveis como a Covid-19, guerra entre Rússia e Ucrânia, ocorrências climáticas como El Niño, lutas geopolíticas, perda de renda das populações urbanas, é aceitável que tão poucos, ao manipular mercados, possam desestabilizar/destruir a produção agrícola?
O Brasil é um dos mais seguros fornecedores de comida para o mundo, pela sua amplitude geográfica, diversidade produtiva, cadeias organizadas e que, mesmo no auge da Covid-19, teve o fluxo marítimo para a China não sofrendo interrupção.
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Se na Bolsa de Chicago, EUA, é feita a comercialização de soja e milho com a visão de enxadristas, e para a China o modelo é o do Wei qi, fica demonstrada uma evidente ruptura entre essas duas visões – o que fragiliza esse país para atender, diariamente, às suas 1,4 bilhão de bocas.
As rápidas transformações alimentares mundiais, que também ocorrem, por exemplo, na Índia, com 340 milhões de pessoas com renda média alta, levarão a uma disputa estratégica entre países pelo fornecimento de alimentos.
Nunca a frase historicamente proferida por Kissinger se fez tão importante: “Tong le he zuo”.