Depois de um 2021 atípico para os lácteos, quando as vendas de leite longa vida tiveram o maior recuo já registrado pela indústria (3,5%), este ano deverá ser menos complicado, acreditam representantes do ramo. Em parte porque, mesmo com um cenário econômico ainda difícil, em meio à inflação galopante – não apenas no Brasil -, é um ano eleitoral. A instabilidade que o pleito traz à economia costuma vir acompanhada de benefícios à população, como já vem acontecendo, que podem se refletir no caixa da indústria.
A leitura foi feita por empresários e executivos do setor. O grupo falou durante a apresentação do estudo “Agronegócio do Leite: produção, transformação e oportunidades”, elaborado pelo Departamento de Agronegócio da Fiesp, que mostra um raio-x setorial na última década.
O governo federal busca aumentar a média atual recebida pelas famílias de R$ 233 para R$ 400 neste ano. O auxílio contribuiu recentemente para que a população não abandonasse produtos básicos como o leite em 2020, quando teve início a pandemia, o que fez diferença para quem atua no setor.
Inflação
Esses produtos têm peso na lista de supermercado. O recuo de vendas de leite líquido, como aconteceu em 2021, é um bom indicativo do tamanho do “aperto” do brasileiro. “Leite e derivados” é o segundo subgrupo de influência do índice de alimentação no domicílio, que compõe o grupo alimentos e bebidas do IPCA (medido pelo IBGE), diz Antonio Carlos Costa, superintendente de departamentos da Fiesp. Vale lembrar que, em março, a inflação de uma cesta de lácteos calculada pela Embrapa atingiu 4,2% (dado mais recente) – quase três vezes a inflação oficial brasileira para o mês (1,62%).
Além do fator renda, o ajuste industrial ao cenário é mais um fator que pode contribuir para os negócios. “Saímos escaldados de 2021. Muitas indústrias tomaram providências para resgatar margens”, continuou Cicero Hegg, sócio fundador e diretor da Laticínios Tirolez.
Nesse negócio, quanto mais diversificadas forem as linhas de produção em um laticínio, melhor pode ser o resultado diante do cenário de consumo. Em novembro passado, a Embaré, por exemplo, estava ajustando mês a mês o destino do volume de leite captado para as linhas – seja de UHT, requeijão, iogurtes ou outras -, conforme a demanda.
Apesar dos fatores que podem trazer respiro, o setor ainda tem pontos de atenção. Um deles, diz Hegg, é o preço do milho, usado pelo produtor de leite para a alimentação do rebanho. Em 2021, a alta de custos aconteceu desde a ponta. A pecuária leiteira enfrentou altas de adubos e rações para o rebanho, com reflexos para toda a cadeia.
Custo de produção
A produção hoje depende muito de ração, explica o dono da Tirolez. O país tem cinco modelos de produção. Um estudo da consultoria AgriPoint, de março, indicou que 77% das 100 maiores fazendas brasileiras de leite não utilizam (ou optam por usar “praticamente nada”) de pastagens para alimentar suas vacas. Para a Embrapa Gado de Leite, o horizonte pode melhorar um pouco para a base da cadeia nos próximos meses, à medida que a colheita no Brasil ampliar a oferta de milho.
Enquanto observa as variáveis de curto prazo, a indústria de lácteos, conhecida por ser resiliente, seguirá ajustando os portfólios e queimando margens para não perder clientes. O dinamismo do setor pode ser compreendido em um comentário de Fábio Scarcelli, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Queijos (Abiq). “Costumamos dizer, entre nós, que, nesta indústria, previsões com mais de 15 dias podem sair erradas”, brinca. “Mas concordo, a expectativa para 2022 é melhor”.
Fonte: Valor Econômico