Xico Graziano é engenheiro agrônomo, mestre em economia agrária e doutor em administração. Foi professor da Unesp Jaboticabal e é professor de MBA na FGV. Já foi deputado e integrou o governo de São Paulo.
É autor, juntamente com Décio GAzzoni e Maria Thereza Pedroso do livro “Agricultura: Fatos e Mitos: Fundamentos Para um Debate Racional Sobre o Agro Brasileiro”. No texto abaixo, explica como o modelo adotado pelos assentados para a produção do arroz orgânico trata-se de um sistema pouco produtivo e não contribuiu para a evolução dos produtores. Confira a íntegra do texto abaixo.

SOBRE O ARROZ ORGÂNICO DO MST
Cuidado com a narrativa sobre o êxito do arroz orgânico do MST. Essa história esconde uma farsa. Começa em 1998, quando o Incra desapropria uma imensa área de várzea no município de Viamão, próximo a Porto Alegre (RS). Por conta da riqueza dos recursos hídricos, era uma Área de Proteção Ambiental (APA).
Pressionado pelo Ministério Público, que temia a contaminação ambiental da região, o Incra formulou um projeto de assentamento rural limitado à agricultura orgânica. Foram selecionadas 376 famílias. Demora quase uma década para tudo funcionar. Investimentos públicos do governo federal (R$ 3 milhões, na época) criam a estrutura de irrigação e, principalmente, a indústria de beneficiamento de arroz. A Embrapa é chamada a dar apoio técnico. O MST assume o controle total do empreendimento, através de seus braços operacionais e políticos: a Cootap (Cooperativa regional, que beneficia o arroz), a Coperav (Cooperativa local) e a Aafise (Associação de produtores).
Entra no processo a Conab, empresa do Ministério da Agricultura, e começa a comprar parte da produção, dando-a “destinação social”. O ciclo estava fechado. A partir de então, uns 10 anos atrás, o MST turbinou o marketing de seu arroz orgânico. Tudo funciona como num soviete, um modelo socialista tupiniquim. A “assembleia” decide o que fazer, as cooperativas fornecem os insumos (sementes, adubos, etc), o governo ajuda a escoar a produção. O financiamento público vem do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Doutor em Desenvolvimento Rural, Paulo Mello, agrônomo o Incra, realizou em 2017 uma pesquisa de campo, com questionários, para verificar a evolução dos produtores orgânicos. Eram cerca de 150 famílias em vários assentamentos.
Publicada em 2019, sob o título “Organic rice in the settlements of Rio Grande do Sul: A broken artifact” (íntegra – 244 KB), a pesquisa concluiu que houve empobrecimento dos assentados e aumento do clientelismo agrário. Destaco 3 resultados técnico-econômicos da pesquisa:
1- A produtividade média das lavouras orgânicas de arroz se situava 44,7% abaixo da média da rizicultura estadual, enquanto o preço ao produtor estava 15% acima do mercado convencional;
2- Os custos médios de produção foram de R$ 3.279/hectare para o cultivo orgânico e de R$ 4.492/hectare para o cultivo convencional;
3- A rentabilidade média era de R$ 231/hectare para o sistema do arroz orgânico e de R$ 1.418/hectare para o do arroz convencional.
Afora a baixa produtividade das lavouras, Paulo Mello aponta que a remuneração das cooperativas e da associação, com variadas taxas, reduz a rentabilidade do negócio. Entre tais custos, existe –pasmem– uma comissão financeira paga ao MST, equivalente a 1 saca de arroz por lote plantado.
Sim. O MST cobra um “pedágio político” dos seus produtores de arroz orgânico
Obrigatória, a certificação orgânica tem a chancela da empresa suíça IMO (Ecological Market Institute) mas, na prática, é realizada pela Coceargs (Cooperativa Central do MST). Conforme atesta uma assentada: “IMO is a franchise, who certifies even is COCEARGS” [“IMO é uma franquia, quem certifica é o Coceargs”]. Arremata Paulo Mello: “For her it would be the ‘fox taking care of the chicken coop’.” (pg 114) [“Para ela, seria como a ‘raposa cuidando do galinheiro’”].
A verdade, desnudada oficialmente pelo Incra, mostra que o arroz orgânico do MST se origina de um projeto paraestatal de baixa produtividade e elevado custo. Um coletivismo forçado, a subordinação no campo, em nome da agroecologia.
A partir de 2017, o governo de Michel Temer suspendeu as (suspeitas) compras públicas da Conab. Ao perder o privilégio estatal, o arroz orgânico Terra Livre/MST teve que disputar o mercado, como qualquer produtor rural. Aí trombou com a realidade.
Qual a situação atual?
Na última safra, a produção orgânica de arroz do MST estava estimada em 15 mil toneladas, representando 0,12% da produção brasileira de arroz. A produtividade média era de 4.700 kg/ha, contra a média gaúcha de 9.300 kg/ha. (Os dados são do próprio MST. O Instituto Riograndense do Arroz/Irga, aliás, poderia fornecer dados mais precisos sobre o assunto, pois parece esconder suas informações).
Com o retorno do PT ao poder, certamente será turbinada a farsa produtiva do MST. Transferida ao recém-criado Ministério de Desenvolvimento Agrário, a Conab deve voltar a bancar os projetos “agroecológicos” e quetais. O argumento será o de combater a fome e promover a agricultura familiar.
Eu não tenho nada contra a produção orgânica, de arroz ou qualquer alimento. Pelo contrário. Julgo-a um sistema exitoso, que se expande mundialmente atendendo a demanda de um nicho formado por consumidores ricos e sofisticados, que garante boa lucratividade aos produtores.
Não é o caso dos arrozeiros subordinados ao MST. Eles continuam pobres.
Leia também: Ciência desenvolve práticas que mitigam a emissão de gases de efeito estufa no cultivo de arroz irrigado
6 Comentários
Texto empobrecido, com informações superficiais e dados descontextualizados. Lamentável a materia com intencionalidade clara de desgastar a proposta concreta de produção do MST e das compras internacionais que voltam com o governo Lula.
Olá Lidiane! O texto é um artigo de Xico Graziano, conforme indicado no início da postagem. Obrigada pela participação em nosso site.
A quem os senhores pensam que enganam?
Texto mal intencionado, cadê a versão do MST?
Olá, Almir. O texto é um artigo de opinião, redigido por Xico Graziano, cujas credenciais estão indicadas na parte superior do texto. Não é uma reportagem e portanto não exige versões de diferentes lados, pois trata-se da opinião de um especialista. Apesar de que todos os dados apontados por Graziano em seu artigo estejam com as fontes identificadas. Obrigada pela participação em nosso site.
Excelente artigo!
É importante reconhecermos o esforço bem intencionado de uma coletividade; porém, é essencial não nos afastarmos da avaliação crítica, sobretudo para que o fim social seja atingido!
Esperamos que os agricultores tenham sua autonomia pautada na autodeterminação, e não na condução político-partidária dirigida por uma ideologia.
A socialização dos meios de produção somente será autêntica quando a iniciativa dos esforços e o resultado da produção (bem como os riscos inerentes a ela) tiverem como agentes os próprios trabalhadores.
Espero que esses produtores de arroz orgânico se capacitem, modernizem-se, aprendam a produzir com qualidade, enriqueçam e dividam seus lucros entre si para o bem de suas famílias, e não para alimentar párias burocráticos de partidos quaisquer que sejam.