Você sabia que uma planta de soja a menos por metro quadrado e que falhou na missão de produzir, por alguma razão – como não ter germinado –, resulta na redução de produtividade de 180 a 240 quilos por hectare – de três a quatro sacas? Ou seja, a semente de qualidade e a semeadura realizada de maneira adequada significam a essência de uma lavoura altamente produtiva. Nenhum outro insumo, ação ou prática no ambiente da plantação resultará em êxito no final – leia-se alta produção – se o aspecto semente for, ainda que minimamente, negligenciado
Thais D’Avila
Os cuidados com a semente e com tudo o que envolve a etapa de produção do plantio são fundamentais a todos os lugares. Em qualquer parte do Brasil, para obter bons resultados, é necessário ter atenção à semente e também ao ato da semeadura. “A semente é início de tudo, é 50% do nosso sucesso, às vezes até mais. Se escolher mal a semente, toda a atividade estará comprometida. Existem outros produtos, como o adubo. Você joga o adubo no solo, você não o perde. Mas se joga a semente e ela não vinga, você já perdeu”. A afirmação é do engenheiro-agrônomo e produtor Felix Simoneti, que fala com propriedade sobre essa questão.
Gaúcho de Erechim, ele desenvolveu a carreira profissional no Paraná e hoje produz, junto com dois filhos, em Maripá, na região oeste do estado, e também em Conquista do Oeste, em Mato Grosso. E há seis anos, a família vem desbravando a região de Limoeiro da Anadia, em Alagoas. “Quando chegamos aqui (em Alagoas), as áreas eram basicamente de cana. Começamos com a soja e comprovamos a importância de estruturar o solo, mas também de sementes de qualidade”, pontua Simoneti.
São quase 40 anos produzindo soja e milho em diferentes regiões brasileiras, mas não só isso. Como alternativa, no Mato Grosso e em Alagoas, os Simoneti usam o feijão, tanto pelo preço, que no Nordeste é mais vantajoso, como pelos benefícios que a cultura deixa no solo, com baixo investimento. O sorgo também entra como uma terceira safra no Centro-Oeste, direcionada à produção de ração. “A gente tem uma fábrica pequena de ração lá. O sorgo tem um custo menor para adubação e, principalmente, precisa de menos água”, descreve. Simoneti conta que também tem uma parceria com uma multinacional para produzir sementes de sorgo, com bastante valor agregado.
A escolha
O produtor afirma que a escolha da semente é o primeiro grande passo, bem como a origem do insumo. “É uma relação de confiança. A maior preocupação nossa é com a origem. É importante cada produtor ter seus fornecedores. Tem sementeiro que é tão bom que dá garantias de que a semente dele é de grande qualidade, que a gente não precisa nem testar antes”, afirma. Ele explica que, nas últimas décadas, as empresas de sementes evoluíram muito e isso dá mais garantias ao produtor que compra produto certificado.
E dá a dica: comprar a semente na data mais próxima do plantio. “Se não tem estrutura para guardar na propriedade, nas condições ideais de temperatura e umidade, é bom ir retirando da sementeira e ir plantando para não ter risco”. Simoneti conta que salva sementes produzidas nas áreas de Alagoas. “Aqui no Nordeste, estamos no calendário americano, plantamos em abril e maio. Por isso, logo que colhemos a soja aqui, levamos para plantar no Mato Grosso. Em menos de 30 dias, a semente está no solo. A diferença é muito grande, pois, quando plantamos, a semente está com todo o vigor”, explica.
Ainda sobre a escolha, o produtor menciona o custo. Segundo ele, muitos produtores não fazem a conta certa. “Tem gente que fala que recebe tanto pela soja e que a semente custa dez vezes mais. Mas esse custo é relativo. Se plantar uma semente de má qualidade, já se perde no plantio”, alerta.
Os cinco pilares
O pesquisador da Embrapa Soja, ex-presidente e atual vice-presidente da Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes (Abrates), José de Barros França-Neto, é uma das referências no país quando o assunto é sementes. Para ele, a escolha inicial da variedade a ser adotada deve passar pela avaliação do histórico da área, do solo, nível de fertilidade, altitude, latitude e outros fatores.
França-Neto destaca o notório trabalho desenvolvido pelas empresas de pesquisa e melhoramento que produzem variedades modernas e tecnológicas – tudo fruto de anos de empenho. “Isso envolve cultivares mais produtivas, mais resistentes a doenças e mais adaptadas ao ambiente. O produtor deve fazer o certo para explorar esse potencial”, destaca.
O pesquisador explica que, dentre as variedades e tecnologias disponíveis no mercado, o produtor deve optar pelas cultivares mais adaptadas à sua região e condições previamente avaliadas. Então, o passo seguinte é procurar a semente que tenha a mais alta qualidade. Ele destaca que os atributos de qualidade estão ligados a cinco pilares. “Começando a lavoura e obedecendo aos cinco pilares, ele já vai ter a segurança de que (a lavoura) é de alta qualidade, que é de uma matéria prima que vai começar todo o processo de produção com maior segurança”.
Confira cada um dos pilares destacados pelo pesquisador França-Neto:
* Qualidade fisiológica: neste quesito, o produtor deve ter a segurança de que a semente a utilizar seja adquirida de um produtor certificado, ou produzida por ele mesmo, a chamada semente salva. O produto deve ter boa germinação e vigor. Conforme França-Neto, o vigor vai dizer se aquela semente vai germinar e emergir no campo rapidamente, mesmo sob condições estressantes. Um exemplo destas condições é a profundidade de semeadura. “Caso haja um erro de profundidade, a semente de baixo ou de médio vigor já nem emerge. O mesmo ocorre com a temperatura – alta ou baixa – outra fonte de estresse. Já a semente de alto vigor aguenta essas alterações”, afirma.
* Qualidade sanitária: as sementes têm que estar livres de patógenos que podem ser transmitidos por sementes – fungos, bactérias, vírus ou nematoides. Este é outro fator de segurança que o produtor precisa ter. “Significa que ela esteja livre de sementes de plantas daninhas que podem ser transmitidas por essa via. Também dentro da qualidade sanitária, é importante que ela seja tratada com fungicidas adequados que possam proteger contra os fungos da própria semente e do solo, que podem afetar a germinação e emergência”, avalia.
* Qualidade física: é preciso que a semente não contenha impurezas ou contaminantes, que seja livre de fragmentos de insetos, de outras plantas e até mesmo torrões de solo. “É desejável que seja pura fisicamente”.
* Qualidade genética: o produtor precisa ter a segurança de que a semente que adquiriu seja efetivamente daquela cultivar e daquela variedade na qual está interessado. “Quem compra os bags de sementes precisa ter a segurança de que elas não estejam misturadas com outras cultivares, sejam elas convencionais ou transgênicas”, alerta França-Neto.
* Semente legal: ao utilizar uma semente, o produtor precisa certificar-se de que sua origem seja legal, produzida pelo sistema oficial de certificação, ou mesmo que seja produzida pelo próprio agricultor. Fazer uso de semente ilegal, também chamada de pirata, pode trazer insegurança e muitos problemas ao produtor. Conforme dados da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (Abrass), no caso da oleaginosa, o uso de sementes certificadas no país está entre 67% e 70%. O restante é semente salva ou semente pirata. Já no milho, a taxa de utilização de sementes certificadas é de 95%, já que, em função de ser maior a adoção de híbridos, a produtividade de sementes de segunda geração cai drasticamente.
“Semeadora bem operada”
O passo seguinte, observados os cinco pilares para a escolha da semente, é a semeadura em si. Para França-Neto, “uma semeadora bem operada, bem ajustada, conduzida na velocidade adequada e com bom sistema de distribuição vai promover uma semeadura sem falhas e sem aglomerados. Desta forma, após a semeadura, germinação e emergência, a população deverá estar adequada”.
Os números, quando colocados em perspectiva, são surpreendentes. Conforme dados apresentados pelo pesquisador, cada falha que resulte, por exemplo, em uma planta a menos por metro quadrado, provoca a redução de produtividade entre 180 e 240 quilos por hectare, dependendo da variedade e da região. “Se é uma planta a menos por metro quadrado, perde 10 mil plantas em um hectare. Isso com apenas uma falha por metro quadrado. Imagine se forem duas ou mais”, projeta.
A importância do vigor
Plantas originadas de sementes de alto vigor têm sistema radicular e parte aérea mais robustos. A lavoura dessas sementes será mais produtiva. “Os dados da Embrapa comprovam que lavouras iniciadas com plantas de alto vigor e desempenho agronômico podem ter ganhos de 10 a 12% a mais em relação ao produtor que começa a lavoura com semente de vigor médio”, afirma França-Neto, da Abrates.
O teste mais utilizado para determinação de vigor é o tetrazólio, que avalia os seguintes níveis de dano da semente:
• Vigor muito alto: igual ou superior a 90%
• Vigor alto: entre 85% a 89%
• Vigor médio: entre 75% a 84%
• Vigor baixo: igual ou inferior a 74%
A Embrapa recomenda que sejam utilizados lotes com vigor alto ou muito alto. Atualmente, as empresas não são obrigadas a colocar o índice de vigor nos boletins de sementes, mas o produtor pode solicitar esse dado ao fornecedor. Ou o produtor pode optar por levar uma amostra ao laboratório para realizar o teste. “Esses cuidados podem e devem ser observados por produtores de todos os portes”, alerta o pesquisador.
Tratamento industrial ou on farm?
O tratamento industrial de sementes (TSI) tem aumentado nos últimos anos. “As empresas que aplicam o tratamento industrial preocupam-se em ter as melhores máquinas, para dar a melhor cobertura, na dose certa e com os melhores produtos, fungicidas, inseticidas, micronutrientes, biológicos”, afirma França-Neto. Dados da Embrapa comprovam que em torno de 95% da semente de soja nacional são tratados com fungicidas, tanto on farm como industrial.
A aquisição de sementes com ou sem tratamento industrial também está entre as escolhas que o produtor precisa fazer. Para Jonas Farias Pinto, gerente da área de certificação da Fundação Pró-Sementes, quando o produtor opta pela semente com TSI, ele tem a garantia da dosagem exata e precisa dos ingredientes ativos que estão na semente. “Não é algo de colocar 100 ml por quilo e mexer. A precisão é altíssima para que cada semente tenha um ingrediente ativo e consiga proteger”, ressalta.
É claro que trata-se de uma semente mais cara, pois, além da tecnologia de aplicação dos produtos, que é uma névoa muito fina, ainda tem o pós-secante e o polímero para ajudar na distribuição. Outra vantagem apontada pelo especialista da Fundação Pró Sementes é o fato de que o produtor não precisa ter contato com produto químico – é só colocar da embalagem na plantadeira.
Em casa, conforme Farias, são máquinas simples. “O produtor acaba gastando mais produto, corre o risco de umedecer muito a semente. Quando coloca muito produto – inseticida, fungicida, enraizador, inoculante – são seis ou sete, pode intoxicar a semente em vez de proteger”, alerta. Para ele, o tratamento on farm dá certo desde que feito na maneira correta e com o produto adequado.
Semente comprada e agora?
Os cuidados para a armazenagem de sementes, destacados por Simoneti no começo desta reportagem, ganham eco na fala de Farias Pinto, da Fundação. Segundo ele, os sementeiros fizeram altos investimentos em armazéns climatizados e equipamentos importados para manter e melhorar a qualidade da semente para entregar ao produtor um produto de alto padrão. “O agricultor está cada vez mais exigente e atento às novidades, por isso busca um produto de alta qualidade”, destaca.
Entretanto, ainda é preciso, segundo Farias, que o produtor entenda a complexidade da semente. “Aquilo que ele compra é um organismo vivo. Tudo o que ele faz em cima do produto, como onde ele vai deixar armazenado entre o recebimento e o plantio, vai influenciar na qualidade”, acrescenta. O especialista afirma ainda que o produtor precisa ter a mesma exigência que ele tem ao adquirir uma colheitadeira ou trator com GPS na hora de colocar a semente na caixa de semeadora. “Tudo tem que ter qualidade e procedência para tirar o melhor proveito do que adquiriu”, pontua.
Então, Farias Pinto recomenda que o produtor deixe a semente no fornecedor no maior tempo possível, para entregar o mais próximo do plantio. “O agricultor, de forma geral, não tem um local adequado, com temperatura e umidade controladas e outros cuidados para manter sua viabilidade o maior tempo possível”, justifica.
Revolução para a produtividade
O pesquisador França-Neto projeta que a preocupação do setor produtivo para disponibilizar ao mercado uma semente de melhor qualidade vem aumentando e vai continuar acontecendo. “O produtor de semente está colocando uma matéria-prima de qualidade, e o produtor de grãos está preocupado em usar, porque está vendo que ele ganha com isso”, argumenta.
E, em matéria de evolução genética, afirma que, nos últimos 30 a 40 anos, houve uma revolução e que isso resultou em ganho de produtividade. Junto com isso, vem a sustentabilidade. “Se tivesse mantido a produtividade de 40 anos atrás, hoje, para produzir essas 150 milhões de toneladas de soja da última safra, precisaria de 50 milhões de hectares a mais do que estão utilizando hoje.”
Máquinas afiadas para a semeadura perfeita
É provável que o produtor rural brasileiro já tenha uma ideia de que é preciso tomar cuidados para expressar a totalidade do potencial de uma semente. Talvez ele não saiba o tamanho do impacto de qualquer erro nesta etapa. Conforme o professor de mecanização agrícola da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu/SP, e coordenador do Grupo de Plantio Direto (GPD), Paulo Arbex, um preparo de solo mal feito ou uma semeadura defeituosa representam até 30% de comprometimento do potencial genético de uma variedade.
Arbex também tem trabalhos que comprovam, por outro lado, que a boa semente aliada às boas práticas de plantio retribui fortemente em elevação de produtividade. Ele conduz o projeto Plantio Ouro em vários estados. “Nós fazemos uma semeadura lado a lado. O produtor faz a semeadura dele, como está habituado, e nós semeamos ao lado, com todas as técnicas da plantabilidade perfeita. Chegamos a obter cinco sacas a mais por hectare. Então, podemos colocar de três até dez sacas por hectare na média, que é possível obter com uma boa semeabilidade”, explica o professor.
E os critérios para esse “estado da arte” da plantabilidade passam por regulagens de máquinas, manutenção e treinamento de operadores que, em última instância, não exigem grandes investimentos do produtor. “O mais importante, que é a semente e o maquinário, ele já tem.” Entretanto, Arbex destaca que, para os resultados comprovados pelo Plantio Ouro, a semente deve ter sido bem escolhida e o uso de fertilizantes de qualidade. “Não adianta querer economizar neste aspecto”, diz. No maquinário, o produtor precisa fazer um checklist de manutenção preventiva. “Olhar peças desgastadas, desde o disco de corte, se está no tamanho correto, depois ver as molas e todas as engrenagens. Tudo tem que estar funcionando adequadamente. E as peças que estiverem gastas têm que trocar antes de começar o trabalho”. E, depois, vem a regulagem. Dentre as principais, destacam-se profundidade correta da semente e do adubo, observar se está cobrindo e compactando perto da semente e se está cortando a palha.