Por Aline Locks, CEO Produzindo Certo
Quando nem tudo está bem, é preciso ser melhor. O cenário para o agronegócio brasileiro em 2024 pode ser resumido nessa frase. Como não acontecia há muito tempo, os produtores brasileiros entram no ano preocupados com clima, preços de commodities em baixa, crédito caro. Assim, no cenário mais adverso, ser mais eficiente pode preservar uma boa parte dos resultados.
Falar em implementação de melhores práticas agrícolas e socioambientais, em um cenário como esse, pode parecer desviar a atenção de questões mais urgentes. A verdade, no entanto, é que o assunto não poderia ser mais oportuno.
Enveredar pela produção responsável exige se aprofundar na gestão do negócio rural, conhecer melhor seus processos e, com isso, tomar decisões que levem a racionalização de custos e de uso de insumos, uma melhor avaliação nas análises de crédito e até mesmo ganhos de produtividade.
Mesmo com a conjuntura mais desafiadora, empresas, entidades e até governos devem manter e acelerar, em 2024, programas que estimulam produtores a seguirem por esse caminho. Nesse sentido, algumas tendências podem ser destacadas como as que devem guiar decisões ao longo do ano. Confira:
Agricultura regenerativa: o conceito não é exatamente novo, mas tem se tornado cada vez mais frequente e cada vez mais elaborado, reunindo um conjunto de práticas que contribuem para a recuperação da fertilidade do solo, a conservação de recursos hídricos e da biodiversidade e a redução do uso de agroquímicos, entre outros benefícios.
Grandes grupos agrícolas, de alimentos, de insumos e até de varejo têm colocado agricultura regenerativa no centro de suas estratégias ESG e de redução de emissões. Vários projetos pilotos foram rodados e começam a ganhar corpo, envolvendo números crescentes de propriedades rurais – e, sobretudo, diferentes parceiros.
Com isso, a formação de consórcios reunindo empresas com diferentes especialidades com o objetivo de acessar os produtores, implementar o conceito em suas propriedades e oferecer benefícios aos que aderirem deve se intensificar esse ano.
Conversão de pastagens: o ano começa com grandes expectativas nessa área. O governo brasileiro apresentou em dezembro, na COP 28, o seu plano para recuperar e converter em lavouras mais de 40 milhões de hectares nos próximos dez anos. Em janeiro, foram definidos os integrantes do comitê gestor do programa e a corrida agora é para desenhar os modelos de crédito para os produtores e as fontes de financiamento.
O Brasil tem promessas de países como Japão e China, que disponibilizariam fundos a juros menores que os de mercado. Além disso, entidades privadas também se mobilizam para atuar nesse sentido.
Um desafio a ser encarado é o modelo desses financiamentos, que não poderia ser semelhante aos do Plano Safra, por exemplo. Isso porque o retorno dos investimentos, no caso de conversão de pastagens, exige mais tempo do que o cultivo em uma área já produtiva.
Novas frentes em biológicos: outra prática que se consolida e ganha mais sofisticação é a do uso de insumos biológicos. Novas categorias de produtos, com foco em nutrição de plantas e de solos, devem ganhar mais espaço no mercado. Da mesma forma do que aconteceu no segmento de revendas, um movimento de consolidação de grupos do setor pode ganhar força, com fusões e aquisições, como a da empresa brasileira Biotrop pela bela Biobest, ocorrida no segundo semestre de 2023.
Solo, a nova fronteira: análises de solo sempre foram relevantes para uma produção mais eficiente e responsável, mas infelizmente a prática não é amplamente difundida entre produtores. Custo e logística complexa para envio das análises desestimulavam produtores, que acabavam optando por decisões mais empíricas e menos científicas na aplicação de fertilizantes, embora esse seja um dos itens de maior relevância no custo de produção agrícola.
Esse quadro começa a mudar graças ao aprimoramento de tecnologias em diferentes frentes. De um lado, o desenvolvimento da análise genética dos solos, que permite um conhecimento mais profundo da composição dos terrenos, suas riquezas e deficiências, além da propensão a infestações, tem permitido que produtores sejam mais precisos nas formulações de fertilizantes para áreas específicas de suas propriedades.
Na área da logística, novas abordagens têm sido testadas para reduzir os prazos para obtenção de resultados dessas análises. Isso envolve parcerias de laboratórios com grupos distribuidores de insumos ou a utilização de novos equipamentos portáteis, que realizam testes em tempo real nas propriedades, sem a necessidade de envio de amostras por correio a laboratórios muitas vezes localizados a milhares de quilômetros de distância.
Fundamental para a agricultura regenerativa e na redução do uso de insumos, a análise de solos é vista como uma das novas fronteiras para a elevação da produção agrícola sem a necessidade de abertura de novas áreas. O segmento tem inclusive chamado a atenção de investidores, que iniciaram também aqui um trabalho de consolidação.
Inteligência artificial: uma tendência que se repete e que deve se manter à medida em que aumenta também a capacidade de máquinas e sensores em extraírem dados no campo. Softwares dotados de Inteligência Artificial são cada vez mais relevantes para transformar esses dados em informação clara, preditiva e facilmente aplicável para o produtor.
Crédito, inadimplência e oportunidade: na área das finanças do campo, há vários ângulos a serem observados. A elevação dos juros nos últimos anos, combinada com um cenário de quebra de safra e cotações de commodities agrícolas em baixa, amplia a possibilidade de inadimplência entre produtores rurais e, ao mesmo tempo, reduz o apetite dos financiadores em conceder crédito, uma vez que o risco se torna mais alto.
O olhar mais positivo para essa questão indica que abre-se espaço ainda maior para instrumentos alternativos de financiamento, que se tornarão ainda mais atrativos com a tendência de queda de juros ao longo do ano. A regulamentação dos Fiagros, por exemplo, pode trazer um novo impulso a esses fundos.
Da mesma forma, abre-se a oportunidade para a retomada de fundos verdes, com recursos destinados justamente ao financiamento do agronegócio responsável, incluindo agricultura regenerativa e conversão de pastagens.