Circula em grupos ligados ao agro, um texto assinado pelo engenheiro agrônomo Rodrigo Paniago que traz explicações sobre a verdadeira contribuição da pecuária para as emissões de CO2. No texto, produzido para o perfil “De olho no material escolar”, Paniago refere-se a um vídeo do Bradesco que recomenda a “segunda sem carne” como forma de reduzir a emissão de metano.
O vídeo, protagonizado por influenciadoras digitais, foi tirado do ar horas depois, devido à reação do agro brasileiro. O Bradesco divulgou, inclusive uma carta aberta reafirmando seu apoio ao agronegócio.
Confira abaixo a íntegra do artigo do engenheiro agrônomo Rodrigo Paniago e todas as referências científicas sobre o tema. O material foi liberado, em primeira mão, para publicação no Portal A Granja Total Agro. Paniago é consultor em Produção Animal, especialista em Produção de Ruminantes, membro da Associação dos Profissionais de Pecuária Sustentável (APPS) e membro do grupo “De Olho No Material Escolar”.
“Este texto visa subsidiar o debate com relação à recente campanha do Bradesco sobre “Carbono Neutro”, vinculada em mídias sociais, onde há uma sugestão para a redução do consumo de carne, aderindo à campanha “Segunda Sem Carne”, justificada pela apresentadora do vídeo por conta da criação de gado contribuir para a emissão dos gases de efeito estufa.
É verdade que os ruminantes emitem metano, após a digestão das plantas, e que este gás é um dos gases de efeito estufa (GEE). Contudo, a emissão de metano é um evento natural, por exemplo, a bacia amazônica tropical é a maior fonte natural de emissão metano do mundo.
As árvores são responsáveis por cerca de 50% de suas emissões de metano (Jeffrey et al., 2021). Nos início dos 2000, leigos se apropriaram de um levantamento sobre as emissões de GEE da pecuária e dos automóveis que foi produzido pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e fizeram uma comparação parcial, onde a emissão dos gases de efeito estufa da produção pecuária era superior a dos automóveis.
A partir deste momento, infelizmente, a pecuária passou a ser apontada como grande a vilã do aquecimento global. No entanto, essa comparação foi feita com base nas emissões diretas e indiretas da pecuária, ou seja, dos fornecedores de insumos, passando pela fazenda até o varejo, contra apenas as emissões diretas dos automóveis, isto é, somente a queima de combustíveis pelos motores.
Portanto, os autores da comparação deixaram de lado as emissões da fabricação das autopeças, dos próprios automóveis e dos resíduos (plásticos, sucata, etc.) gerados pelos carros. Um equívoco, como aponta Anne Mottet, diretora de Desenvolvimento Pecuário da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em seu artigo “Carros ou gado: qual contribui mais para as mudanças climáticas?” (Mottet A. & Steinfeld H., 2018).
No gráfico 01 é possível comparar, apropriadamente, a emissão da atividade de bovinocultura (Livestock & Manure) com as demais atividades no mundo.
Já no gráfico 02 é possível ver qual é a participação de toda a atividade agropecuária brasileira, detentora de um dos maiores rebanhos de bovinos do mundo, em relação ao total mundial de emissões gases de efeito estufa. Emissão de gases de efeito estufa por setor. Fonte: https://ourworldindata.org/ghg-emissions-by-sector. Participação da agropecuária brasileira no total de emissões de gases de efeito estufa no mundo. Fonte: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/45844535/emissoes-da-agropecuaria-do-brasil-correspondem-a-083- da-mundial
Portanto, o correto é que cada atividade econômica seja medida pela sua emissão líquida, isto é, pela a diferença entre o que se emite e o que é sequestrado em equivalente gás carbônico (CO2). A produção agropecuária sequestra CO2 da atmosfera através da fotossíntese realizadas pelas plantas (Silva, C. A. & Machado, P. L. O. de A., 2000), como também é o caso do capim (Segnini A. et al., 2007) (Gráfico 03). Já a produção de carros e outros produtos industrializados, como o cimento, por exemplo, não promovem o sequestro de CO2, inclusive muitos não tem seus resíduos reciclados, como acontece na atividade pecuária.
Os resíduos gerados por toda a cadeia da pecuária são reutilizados como insumo por 49 segmentos industriais diferentes, tais como cosméticos, farmacêutico, químico, sanitário, têxtil e construção, entre outros (Embrapa, 2021), reduzindo o custo de produção dos mesmos. Portanto, o ditado popular de que “do boi só não se aproveita o berro” é verdadeiro. Reciclagem do CO2 pela pecuária. Fonte: https://clear.ucdavis.edu/explainers/biogenic-carbon-cycle-and-cattle
É antigo o conhecimento de que pastagens bem manejadas promovem a ciclagem de nutrientes, a captação de carbono da atmosfera (redução dos gases de efeito estufa), bem como a redução dos processos erosivos e do assoreamento dos recursos hídricos, tais como lagos, riachos e afins (CERRI et al., 2010). É importante salientar, que a maior parte do que a pecuária emite, em equivalente CO2, é oriundo de carbono que já existia na atmosfera, que após o sequestro pelas plantas (fotossíntese) voltou ao meio ambiente a partir da digestão dos ruminantes.
Já os automóveis e outras atividades industriais emitem em sua maioria o carbono oriundo dos combustíveis fósseis que estavam guardados há milhões de anos no subsolo, colocando essencialmente GEE novo na atmosfera, aumentando a sua concentração no ar e gerando o efeito estufa. É inegável que a atividade pecuária impacta no meio ambiente e nas mudanças climáticas, assim como qualquer outra atividade desenvolvida pelos humanos.
Por outro lado, como pode ser observado no gráfico 2 ou mesmo no gráfico 1, a participação da pecuária ou da agropecuária não pode ser apontada como o maior problema (Clear Center, 2019) muito menos como uma vilã neste quesito. Segundo a Embrapa Pecuária Sudeste (2019), as emissões da agropecuária brasileira correspondem a 0,83% do total de emissões do Mundo. A depender do tipo de sistema utilizado, a pecuária pode ser carbono neutro ou até gerar excedentes (créditos de carbono).
Tanto que Embrapa desenvolveu uma certificação denominada Carne Carbono Neutro para caracterizar propriedades que obtém sucesso neste tipo de produção (Governo Federal, 2020). Em países como a Austrália, existem incentivos governamentais para a melhoria no manejo das pastagens, com o intuito de aumentar o sequestro de carbono (MLA, 2021) e, também, a comercialização destes créditos, como foi o caso recente da Microsoft que adquiriu em janeiro deste ano US$500.000,00 em créditos carbono gerados por uma propriedade australiana de pecuária a pasto (The Australian, 2021).
No Brasil, diversos projetos estão demonstrando que o sequestro de carbono pela pastagem também é uma realidade por aqui. Como é o caso das fazendas que pertencem à Liga do Araguaia no Vale do Rio Araguaia, Estado de Mato Grosso (O Estado de São Paulo, 2020). Na verdade, à luz da ciência atual, a relação entre pecuária e meio ambiente está focada no fato de que a pecuária pode ser parte da solução para às mudanças climáticas e não o problema (Nason, J., 2020), devido a sua capacidade de regenerar solos em pastagens naturais e do potencial de sequestro de carbono através das pastagens cultivadas para a sua alimentação.
O Prof. Dr. Frank Mitloehner, da Universidade da Califórnia, diretor do Clear Center e um dos maiores especialistas no tema, é um grande divulgador de conteúdo sobre esse novo posicionamento da comunidade científica. Vale pena estudar suas publicações no Blog “GHG Guru”, a maioria delas destinada a informar o público leigo sobre o mote deste texto. Nós acreditamos, que do ponto de vista histórico, os modelos praticados no passado não podem ser esquecidos, visto que foi justamente o correto entendimento sobre os mesmos que provocaram as inovações necessárias pra atingirmos o atual patamar de produção, mais responsável com o meio ambiente.
Por outro lado, se negar a compreender o que a ciência nos proporciona de atualizações sobre o tema é incentivar a propagação de uma meia verdade obscurantista.
Atenciosamente, Eng. Agr. Rodrigo Paniago
Consultor em Produção Animal, especialista em Produção de Ruminantes Membro da Associação dos Profissionais de Pecuária Sustentável – APPS Membro do De Olho No Material Escolar”