Coluna Marie Bartz, escrita pela bióloga, Centro de Agricultura Regenerativa e Biológica e centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, em Portugal, e Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto (Febrapdp), Marie Bartz.
Nossa quinta personalidade condecorada com a Medalha de Honra Herbert Bartz pela Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto não é nascida no Brasil. Porém, com todo o carinho, a consideramos nosso fiel cavalheiro britânico: John Landers. De personalidade peculiar, ele não é muito diferente dos demais que também tiveram significativa contribuição na adoção e na difusão do sistema plantio direto no Brasil. Afinal, todos aqueles que se lançaram a esse desafio, o qual quebrou paradigmas para uma nova e melhor agricultura, tinham de ser outliers (pontinhos fora da curva), excêntricos e teimosos!
Para esta edição, terei a ajuda de Pedro Freitas, pesquisador da Embrapa Solos, do Rio de Janeiro, que acompanhou este nosso dinossauro de perto em suas empreitadas e que se complementam com o relatado pelo próprio John para a biografia de Papi, Herbert Bartz: “O Brasil possível”. Formado em Agronomia na Inglaterra e com mestrado em irrigação na Califórnia, Estados Unidos, John Landers já carregava uma boa bagagem de conhecimento em agricultura quando chegou ao Brasil, em 1966, para trabalhar como pesquisador do International Research Institute for Climate and Society (IRI), em Matão/SP.
Entre as condecorações, John Landers recebeu a Order of the British Empire (OBE), entregue pela rainha Elizabeth II pelos “serviços à agricultura sustentável no Brasil”
No final da década de 1970, ele já buscava maneiras eficientes de conservar o solo e, por isso, arriscou-se em um projeto de plantar milho no meio de forrageiras, utilizando as técnicas do plantio direto e as máquinas Rotacaster para colocar as sementes na terra. Porém, uma erva daninha tomou conta da lavoura e custou-lhe o emprego. Demitido, com o dinheiro da rescisão no bolso, arquitetou uma nova aventura: seria produtor no Cerrado brasileiro, mais especificamente em Goiás.
Leia mais: Franke Dijkstra é destaque nos 50 anos do Plantio Direto
Começou com o método convencional até que, depois de dias seguidos de chuva, viu tanta água empossada nas curvas de nível de sua lavoura, quase as estourando, que achou que era o momento de fazer todo aquele líquido penetrar no solo, ser absorvido por ele, não mais escorrendo, carregando toda fertilidade embora. Em 1982, pela primeira vez, fez plantio direto no município de Morrinhos/GO, causando espanto na vizinhança. Mas, quando as safras do gringo começaram a ser boas, o pessoal resolveu prestar a atenção.
A Manah, fundada por Fernando Penteado Cardoso, que mais tarde daria início também à Fundação Agrisus, percebeu a importância do pioneirismo de Landers, que estava abrindo caminho para o desenvolvimento da agricultura no Cerrado. A empresa de fertilizantes financiou pesquisas durante os primeiros anos dele no sistema plantio direto, possibilitando que ousasse, arriscasse, buscasse melhores condições para plantar naquele solo considerado de baixo teor de matéria orgânica, ácido e dado à erosão.
![](https://agranjatotalagro.com.br/wp-content/uploads/2023/04/banner_1190-x-250-1024x215.png)
Empolgado, Landers foi levando o sistema para outros municípios, espalhando conhecimento. Quando a verba da indústria acabou, e ele próprio se viu também descapitalizado, resolveu promover cursos de plantio direto para agricultores. Na noite anterior ao primeiro curso, tinha apenas cinco inscritos. Levaria um grande prejuízo, mas não cancelou em respeito àqueles poucos que haviam pago pela aula e estavam aguardando. John recorda: “Não dormi toda a noite anterior, chateado por tão poucas inscrições. Mas, no dia do curso, para a minha surpresa, apareceram 47 alunos. Foi um sucesso e consegui pagar as minhas contas”.
Aquele primeiro curso multiplicou-se e culminaria com a fundação da Associação de Plantio Direto no Cerrado, em 1992. Entretanto, antes disso, Landers já havia visitado Herbert algumas vezes e andado de carona com ele em uma viagem de Passo Fundo/RS a Londrina/PR. “Naqueles quase 800 quilômetros de estrada, fui perguntando e anotando, explorando todo o conhecimento que o Bartz já tinha por estar havia mais de uma década no Plantio Direto”, relata o pioneiro do Cerrado. John teve um papel primoroso na adoção e na difusão do sistema plantio direto no Cerrado; viajou o mundo dando palestras e atuou como consultor em 23 países.
Por tamanha dedicação, John recebeu inúmeros reconhecimentos e condecorações no Brasil e no exterior. Entre as mais significativas estão os seguintes: Prêmio Heidelberg Internacional para Excelência Ambiental, na Alemanha (2005); Ordem de Anhanguera do Estado de Goiás (2006); Order of the British Empire (OBE), entregue pela rainha Elizabeth II pelos “serviços à agricultura sustentável no Brasil”; Agrônomo do ano pela AEAGO (2013); Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Goiás (2017). John, hoje aos 85 de idade, ainda carrega a ânsia e a fervorosidade dos tempos dourados dos pioneiros em defesa do sistema plantio direto, que se resume no seu célebre lema: “Palha, palha, palha!”.