Coluna Na Hora H escrita pelo veterinário, ex-ministro da Agricultura e Reforma Agrária, ex-secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, presidente do Grupo Cabrera, Antônio Cabrera.
Título original: Pela liberdade dos índios plantarem
Nós fomos criados para estarmos continuamente em comunhão uns com os outros, trabalhando, criando valor, ajudando e sendo ajudados. O trabalho é a forma com que nos tornamos úteis para os outros. E a maior recompensa do nosso trabalho não é o que nos pagam por ele, mas aquilo em que ele nos transforma.
Samuel Huntington já ensinou que um dos fatores da decadência da Europa é o debilitamento generalizado da “ética do trabalho”. Ora, à medida que as pessoas estão sendo excluídas do mundo do trabalho, como com limitações educacionais, tanto a sociedade como um todo e os indivíduos que vivem nela perdem algo importante.
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Assim, de forma incontestável, a liberdade econômica é um dos mais fundamentais direitos humanos. Dificultar ou proibir o seu exercício resulta em impedir a luta pela sobrevivência. Tamanha é a importância do referido acima que a Declaração Universal dos Direitos Humanos defende, no artigo 23, de forma bem clara: “Todos têm direito ao trabalho…”
Aos índios deve ser dado o direito de utilizarem suas terras e seus bens como a qualquer outro cidadão brasileiro
Infelizmente, há um grupo a quem tem sido sistematicamente negado esse direito: os índios brasileiros. Como a política indigenista é apenas uma questão de território, depois de demarcada uma área indígena, qualquer uso do local depende de autorização do governo. É aqui o ponto deste artigo: aos índios deve ser dado o direito de utilizarem suas terras e seus bens como qualquer outro cidadão brasileiro. Não permitir ou atravancar aqueles que têm o desejo de plantar ou explorar suas terras com manejo ambiental e preservação; a lei obriga a forçá-los a viverem sob a tutela do governo.
O Ministério da Agricultura anunciou que, baseado em dados da Embrapa Territorial, os produtores rurais protegem cerca de 218 milhões de hectares em suas propriedades com matas nativas. Estima-se que essas reservas têm um valor de R$ 3,1 trilhões ou quase metade do PIB de 2017.
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Como temos mais de 116 milhões de hectares em Reservas Indígenas, pode-se estimar que os índios brasileiros têm um patrimônio em terra ao redor de R$ 1,6 trilhão. Apesar de terem esse volume gigantesco em terras, ou quase o dobro da área utilizada pela agricultura brasileira, por não possuírem liberdade econômica, a maioria dos índios vive em uma situação de penúria e de total dependência do governo ou de ONGs.
Uma sociedade moderna tem uma visão positiva do trabalho e sabe que o mesmo tem um valor essencial para uma comunidade que deseja progredir. O trabalho e o empreendedorismo são áreas em que o ser humano se desenvolve e obtém satisfação. O trabalho é uma das principais vias através das quais contribuímos para a vida dos outros enquanto enriquecemos a nossa própria existência.
As recém demarcadas Reservas Serra/Raposa do Sol tinham um potencial de uso de 40 mil hectares para o cultivo de arroz, sem levar em conta que, se utilizando o potencial energético do Rio Cotingo, esse número subiria para 100 mil hectares.
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Levando em conta este número de 40 mil hectares e uma produtividade de 160 sacas/hectare com um consumo anual girando em torno de 37 quilos de arroz/habitante, isso significa que mais de 5 milhões de brasileiros seriam abastecidos com arroz, o alimento principal de mais de metade da população do mundo. É como se a Noruega inteira pudesse ser alimentada com esse produto através destas terras. Mas não é visto que uma visão ideológica impede que os índios utilizem esses lavradios, gerando indignação.
A questão principal é: por que estas terras produtivas estão abandonadas? A realidade é que uma vida sem trabalho e sem o direito de manter os frutos do seu esforço não é uma boa vida. Os índios – e somente os índios – são donos de seu futuro. E isso inclui as suas terras.